Quarta-feira, 7 de Abril de 2021

Recordando... Vitorino Nemésio

DEFESA

 

Guarda a manhã como uma rosa,

Molha-a, que a noite vem aí.

Dorme tu nos espinhos; goza

O que é próprio de ti.

 

Não dês flores a ninguém

Que tua mão lhe corte,

E, se puderes,

Leva as mais que puderes à tua morte

Em coroa que te fique bem.

 

Não gastes o jardim puro

De que tu mesmo és terra:

A tua vida, muro,

Teu coração a encerra.

 

Rosas façam de sangue os que as desejam;

Cada um se floresça:

As tuas não se vejam

Quando a roseira cresça.

 

Abre ao lume doído

Os botõezinhos novos.

No ninho despido,

Ave, os teus ovos.

 

Ao frio e ao escuro cria

Larvas de luz compostas

Do que deita alegria

Sobre as coisas que gostas.

 

Mas rosas dadas, não:

Nem que tu fosses flores

E raiz teu destino

Engrossando no chão.

As tuas flores

São do menino

Sempre foste. Não!

 

In “O Bicho Harmonioso”

 

 

(1901-1978)

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Domingo, 25 de Agosto de 2019

Recordando... Vitorino Nemésio

ATÉ SEMPRE

 

Perdeste a lágrima, menino?

Quem afligiu a tua bola?

Pega lá vida, faz o pino:

Sempre o contrário nos consola.

 

A vida é péla, rasga a vida,

Que em mim já antes papel é.

Vê como a levo de vencida

Desde que nele escrevo, até...

 

Sempre, menino, até sempre!

No bibe o corpo; deixa! Lava-se

E não te esqueças, chuta sempre!

(Não chegou a chorar, mas preparava-se).

 

31.7.59

 

In “O Verbo e a Morte”

Morais Editora - 1959

 

Vitorino Nemésio

(1901-1978)

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Quarta-feira, 1 de Maio de 2019

Recordando... Vitorino Nemésio

A TEMPO

 

A tempo entrei no tempo,

Sem tempo dele sairei:

Homem moderno,

Antigo serei.

Evito o inferno

Contra tempo, eterno

À paz que visei.

Com mais tempo

Terei tempo:

No fim dos tempos serei

Como quem se salva a tempo.

E, entretanto, durei.

 

In “O Verbo e a Morte”

Moraes Editora

 

Vitorino Nemésio

(1901-1978)

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Sábado, 7 de Outubro de 2017

Recordando... Vitorino Nemésio

FUI HOJE À CAIXA, MARGA

 

Fui hoje à Caixa, Marga, receber

A pensão de reforma.

Coxo e doido, Marga. Muito!

Duro é ser velho, e, então, de ossos a arder?

A minha tíbia engole facas.

Fui hoje à Caixa receber

O troco das pernas fracas.

E lembrei-me de ti, que eras habituée

Lá pela ordem dos trinta, dos cinquenta milhões.

Da formiga à cigarra:

(Iguais ocasiões)

- Que faisiez vous aux temps chaux,

Dit-elle à cette emprunteuse.

Lembrei-me de ti com La Fontaine,

Cigarra, claro, chanteuse.

Formiga fora uma aubaine.

Marga, é tão triste o dinheiro!

Até já o ganhas, como eu,

E andaste coxa, cheia de dores

Tu que o atiravas aos punhados

Como em batalha de flores

Estás como os reformados

À espera dos directores

Mas como ainda és bonita

E há sempre um, pronto aos favores,

Vê bem o que ele te debita

Que descontos te faz

Ê provável que insista

Sabendo-te "petite amie" de um pobre pensionista

A menina bem sabe que há certas coisas que nem mesmo um aperto

(Ai, a minha peminha!)

Comucópia - corno coxo.

 

In "Caderno de Caligraphia e outros poemas a Marga"

IN-CM - Imprensa Nacional-Casa da Moeda

 

Vitorino Nemésio

(1901-1978)

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Sexta-feira, 7 de Julho de 2017

Recorddando... Vitorino Nemésio

ARREPENDENDO-ME DE A METER NUM ROMANCE

 

O poema tem mais pressa que o romance,

Asa de fogo para te levar:

Assim, pois, se houver lama que te lance

Ao corpo quente algum, hei-de chorar.

 

Deus fez o poeta por que não descanse

No golfo do destino e amores no mar:

Vem um, de onda, cobri-la — e ela que dance!

Vem outro – e faz menção de me enfeitar.

 

Os outros a conspurcam, mas é minha!

Chicoteá-la vou com a própria espinha,

Estreitam-me de amor seus braços mornos,

 

Transformo seus gemidos em meus uivos

E torno anéis dos seus cabelos ruivos

Na raspa canelada dos meus cornos.

 

Caderno de Caligraphia e outros Poemas a Marga

 

In “Obras Completas - Volume III”

INCM - Imprensa Nacional-Casa da Moeda

 

Vitorino Nemésio

(1901-1978)

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Segunda-feira, 19 de Setembro de 2016

Recordando... Vitorino Nemésio

SE A NOSSA VOZ CRESCESSE...

 

Se a nossa voz crescesse, onde era a árvore?

Em que pontas, a corola do silêncio?

Coração já cansado, és a raiz:

Uma ave te passe a outro país.

 

Coisas de terra são palavra:

Semeia o que calou.

Não faz sentido quem lavra

Se o não colhe do que amou.

 

Assim, sílaba e folha, porque não

Num só ramo levá-las

Com a graça e o redondo de uma mão?

(Tu não te calas? Tu não te calas?!)

 

5-8-1962

 

In "Canto de Véspera"

Guimarães Editores

 

Vitorino Nemésio

(1901-1978)

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Quinta-feira, 31 de Julho de 2014

Recordando... Vitorino Nemésio

VERBO E ABISMO

 

Já da vaga vocálica dependo

Como a alga que a onda leva à areia:

Mas eu mesmo, que a digo, mal entendo

A voz que clama a minha vida e a enleia.

 

Se intervenho no som gratuito, ofendo

Seu sentido secreto e íntima cheia:

Transtornado por ela, emendo, emendo,

E é ela que me absorve e senhoreia.

 

Verbo ao abismo idêntico, toado

Sobre os traços de fogo que precedem

A presença de Deus no monte irado,

 

Ao teu sopro de amor as vozes cedem

O que a morte decifra e restitui

Ao espírito liberto do que fui.

 

In “O Verbo e a Morte”

Moraes Editores - 1959

 

Vitorino Nemésio

1901 – 1978

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Terça-feira, 25 de Dezembro de 2012

Recordando... Vitorino Nemésio

NATAL CHIQUE

 

Percorro o dia, que esmorece

Nas ruas cheias de rumor;

Minha alma vã desaparece

Na minha pressa e pouco amor.

 

Hoje é Natal. Comprei um anjo,

Dos que anunciam no jornal;

Mas houve um etéreo desarranjo

E o efeito em casa saiu mal.

 

Valeu-me um príncipe esfarrapado

A quem dão coroas no meio disto,

Um moço doente, desanimado...

Só esse pobre me pareceu Cristo.

 

In “O Pão e a Culpa”

Livraria Bertrand – 1959

 

Vitorino Nemésio

1901 – 1978

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Domingo, 13 de Março de 2011

Recordando... Vitorino Nemésio

MUITO ME TARDA

 

Tarda na Guarda amiga em flor:
Cinza de pedra não seria,
Mas era assim como uma dor
Que da viagem se fazia.
Como uma ovelha cujo velo
À força de anos e de ervinhas
Alvo se torna, de amarelo
Aos olhos de aves ribeirinhas,
Fronteira tive a tristeza
A tudo sonhado um dia:
A Guarda é forte, que a reveza
Com um quase nada de alegria.

Muito me tarda a morte! Houvera
De viver rei, anjo ou pastor...
Era outra a pele: mudava de era
E ovelha parda
Por amor.

Mas só na Guarda!
Tardar ao longe, só na Guarda,
A que me espera.

 


In “A Poesia das Beiras” – (Antologia)

Edições Caixotim

 

Vitorino Nemésio

1901 – 1978

 

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