DEFESA
Guarda a manhã como uma rosa,
Molha-a, que a noite vem aí.
Dorme tu nos espinhos; goza
O que é próprio de ti.
Não dês flores a ninguém
Que tua mão lhe corte,
E, se puderes,
Leva as mais que puderes à tua morte
Em coroa que te fique bem.
Não gastes o jardim puro
De que tu mesmo és terra:
A tua vida, muro,
Teu coração a encerra.
Rosas façam de sangue os que as desejam;
Cada um se floresça:
As tuas não se vejam
Quando a roseira cresça.
Abre ao lume doído
Os botõezinhos novos.
No ninho despido,
Ave, os teus ovos.
Ao frio e ao escuro cria
Larvas de luz compostas
Do que deita alegria
Sobre as coisas que gostas.
Mas rosas dadas, não:
Nem que tu fosses flores
E raiz teu destino
Engrossando no chão.
As tuas flores
São do menino
Sempre foste. Não!
In “O Bicho Harmonioso”
(1901-1978)
ATÉ SEMPRE
Perdeste a lágrima, menino?
Quem afligiu a tua bola?
Pega lá vida, faz o pino:
Sempre o contrário nos consola.
A vida é péla, rasga a vida,
Que em mim já antes papel é.
Vê como a levo de vencida
Desde que nele escrevo, até...
Sempre, menino, até sempre!
No bibe o corpo; deixa! Lava-se
E não te esqueças, chuta sempre!
(Não chegou a chorar, mas preparava-se).
31.7.59
In “O Verbo e a Morte”
Morais Editora - 1959
Vitorino Nemésio
(1901-1978)
A TEMPO
A tempo entrei no tempo,
Sem tempo dele sairei:
Homem moderno,
Antigo serei.
Evito o inferno
Contra tempo, eterno
À paz que visei.
Com mais tempo
Terei tempo:
No fim dos tempos serei
Como quem se salva a tempo.
E, entretanto, durei.
In “O Verbo e a Morte”
Moraes Editora
Vitorino Nemésio
(1901-1978)
FUI HOJE À CAIXA, MARGA
Fui hoje à Caixa, Marga, receber
A pensão de reforma.
Coxo e doido, Marga. Muito!
Duro é ser velho, e, então, de ossos a arder?
A minha tíbia engole facas.
Fui hoje à Caixa receber
O troco das pernas fracas.
E lembrei-me de ti, que eras habituée
Lá pela ordem dos trinta, dos cinquenta milhões.
Da formiga à cigarra:
(Iguais ocasiões)
- Que faisiez vous aux temps chaux,
Dit-elle à cette emprunteuse.
Lembrei-me de ti com La Fontaine,
Cigarra, claro, chanteuse.
Formiga fora uma aubaine.
Marga, é tão triste o dinheiro!
Até já o ganhas, como eu,
E andaste coxa, cheia de dores
Tu que o atiravas aos punhados
Como em batalha de flores
Estás como os reformados
À espera dos directores
Mas como ainda és bonita
E há sempre um, pronto aos favores,
Vê bem o que ele te debita
Que descontos te faz
Ê provável que insista
Sabendo-te "petite amie" de um pobre pensionista
A menina bem sabe que há certas coisas que nem mesmo um aperto
(Ai, a minha peminha!)
Comucópia - corno coxo.
In "Caderno de Caligraphia e outros poemas a Marga"
IN-CM - Imprensa Nacional-Casa da Moeda
Vitorino Nemésio
(1901-1978)
ARREPENDENDO-ME DE A METER NUM ROMANCE
O poema tem mais pressa que o romance,
Asa de fogo para te levar:
Assim, pois, se houver lama que te lance
Ao corpo quente algum, hei-de chorar.
Deus fez o poeta por que não descanse
No golfo do destino e amores no mar:
Vem um, de onda, cobri-la — e ela que dance!
Vem outro – e faz menção de me enfeitar.
Os outros a conspurcam, mas é minha!
Chicoteá-la vou com a própria espinha,
Estreitam-me de amor seus braços mornos,
Transformo seus gemidos em meus uivos
E torno anéis dos seus cabelos ruivos
Na raspa canelada dos meus cornos.
Caderno de Caligraphia e outros Poemas a Marga
In “Obras Completas - Volume III”
INCM - Imprensa Nacional-Casa da Moeda
Vitorino Nemésio
(1901-1978)
SE A NOSSA VOZ CRESCESSE...
Se a nossa voz crescesse, onde era a árvore?
Em que pontas, a corola do silêncio?
Coração já cansado, és a raiz:
Uma ave te passe a outro país.
Coisas de terra são palavra:
Semeia o que calou.
Não faz sentido quem lavra
Se o não colhe do que amou.
Assim, sílaba e folha, porque não
Num só ramo levá-las
Com a graça e o redondo de uma mão?
(Tu não te calas? Tu não te calas?!)
5-8-1962
In "Canto de Véspera"
Guimarães Editores
Vitorino Nemésio
(1901-1978)
VERBO E ABISMO
Já da vaga vocálica dependo
Como a alga que a onda leva à areia:
Mas eu mesmo, que a digo, mal entendo
A voz que clama a minha vida e a enleia.
Se intervenho no som gratuito, ofendo
Seu sentido secreto e íntima cheia:
Transtornado por ela, emendo, emendo,
E é ela que me absorve e senhoreia.
Verbo ao abismo idêntico, toado
Sobre os traços de fogo que precedem
A presença de Deus no monte irado,
Ao teu sopro de amor as vozes cedem
O que a morte decifra e restitui
Ao espírito liberto do que fui.
In “O Verbo e a Morte”
Moraes Editores - 1959
Vitorino Nemésio
1901 – 1978
NATAL CHIQUE
Percorro o dia, que esmorece
Nas ruas cheias de rumor;
Minha alma vã desaparece
Na minha pressa e pouco amor.
Hoje é Natal. Comprei um anjo,
Dos que anunciam no jornal;
Mas houve um etéreo desarranjo
E o efeito em casa saiu mal.
Valeu-me um príncipe esfarrapado
A quem dão coroas no meio disto,
Um moço doente, desanimado...
Só esse pobre me pareceu Cristo.
In “O Pão e a Culpa”
Livraria Bertrand – 1959
Vitorino Nemésio
1901 – 1978
MUITO ME TARDA
Tarda na Guarda amiga em flor:
Cinza de pedra não seria,
Mas era assim como uma dor
Que da viagem se fazia.
Como uma ovelha cujo velo
À força de anos e de ervinhas
Alvo se torna, de amarelo
Aos olhos de aves ribeirinhas,
Fronteira tive a tristeza
A tudo sonhado um dia:
A Guarda é forte, que a reveza
Com um quase nada de alegria.
Muito me tarda a morte! Houvera
De viver rei, anjo ou pastor...
Era outra a pele: mudava de era
E ovelha parda
Por amor.
Mas só na Guarda!
Tardar ao longe, só na Guarda,
A que me espera.
In “A Poesia das Beiras” – (Antologia)
Edições Caixotim
Vitorino Nemésio
1901 – 1978
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