TODA A NOITE A LUA
Toda a noite a lua
dançou na orla do palmeiral. Seus braços de fina prata
revestiam de brilho o vermelho da terra; armadilha de astro cego
na desordem do mundo
E toda a noite ela saltou, rodopiou, encenou a mais estranha
coreografia no silêncio eloquente dos céus. Inconstante lua.
Dissimulada. Vai-te imagem de mil abismos – tu que a tantos
enredas com tuas múltiplas faces. Vai-te. Vai-te sinal do efémero,
maga do instante – tu que na vida dos homens, sempre que queres,
entras e sais. Vai-te e não voltes mais
In “Pelo deserto as minhas mãos”
Editora Coisas de Ler
Victor Oliveira Mateus
(N.1952)
ATENTO MEU OLHAR SE REVIGORA
Atento meu olhar se revigora no cais sempre aberto
em que discorro. E sem o látego de impassíveis fantasias
ou de crenças usadas como socorro. À palavra me vou
dando no concreto que percorro. Observo ruas, rostos,
para lá de logros e madrugadas enganosas e sentado
no café insisto leituras que tento copiosas.
Mas se acaso, num inverno que já pressinto, relâmpagos
e trovões falsearem tudo o que vi, imune voltarei ao mesmo
tempo – indisfarçável véspera em que vivi. Atento meu olhar
se revigora neste cais, onde toda a cidade desfila eu eu,
sem máscara nem embuste, indago. Em cuidado me gostaria
para sempre, mas tal não posso neste ermo fustigado por duros
vendavais e monótona bonança. Que me fique a invendável
liberdade, listada a fogo com ferretes de esperança.
In “A irresistível voz de Ionatos”
Editora Labirinto
Victor Oliveira Mateus
(N.1952)
TRAZ-ME UM TEMPO
Traz-me um tempo sem mistério.
Um tempo sem mácula e límpido,
comigo sentado na soleira
por entre o zunido dos insetos
e a cantilena dos homens no lagar.
Devolve-me os gestos que julgava perdidos.
Não me fales de viagens!
De cidades onde não vivi,
dos corpos que consumiste
em aventuras mais ou menos frustradas,
quando eu nem miragem era.
Cala o que me desarma,
o que me avoluma o tédio:
a imagem desses bares onde bebias,
nessas noites em que tropeçavas noutros
e eu não passava de uma impossibilidade
a fermentar numa paisagem
antecipadamente derrotada.
Concede-me de novo esse tempo sem mistério,
um tempo cristalino,
um tempo de loucura e inocência,
um tempo de desejos transparentes,
de corpos ardentes e simples
como só as coisas puras conseguem ter.
In “Aquilo que não tem nome”
Editora Coisas de Ler
Victor Oliveira Mateus
(N.1952)
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