VERBO E ABISMO
Já da vaga vocálica dependo
Como a alga que a onda leva à areia:
Mas eu mesmo, que a digo, mal entendo
A voz que clama a minha vida e a enleia.
Se intervenho no som gratuito, ofendo
Seu sentido secreto e íntima cheia:
Transtornado por ela, emendo, emendo,
E é ela que me absorve e senhoreia.
Verbo ao abismo idêntico, toado
Sobre os traços de fogo que precedem
A presença de Deus no monte irado,
Ao teu sopro de amor as vozes cedem
O que a morte decifra e restitui
Ao espírito liberto do que fui.
In “O Verbo e a Morte”
Moraes Editores - 1959
Vitorino Nemésio
1901 – 1978
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