Domingo, 1 de Novembro de 2020

Recordando... Vasco Graça Moura

PRESENTE DO INDICATIVO

 

entro na cozinha. Ela está no meio dos legumes,

lava e enxuga folhas tenras de alface, endívias

de oblonga contextura, corta a cebola às

rodelas, pica um ramo de coentros,

hesita um pouco sobre o roquefort, é certeira no vinagre e no sal,

 

e prudente no azeite. O ovo cozido espera a sua vez e a

saladeira aguarda na mesa junto aos azulejos brancos.

ela procura os talheres de madeira na gaveta,

pede-me qualquer coisa, a lâmina reluz sobre a tábua, perto do pão.

a preparação da salada requer vários gestos precisos

 

e uma poética discreta nos brilhos frisados, nos

paladares. pela janela chegam os ruídos da rua,

campainhas de bicicleta, ressaltos de uma bola.

o cão dormita no sofá. Uns versos populares comparam

os olhos dela a azeitonas pretas.

 

In "Poesia 1993-1995"

Círculo de Leitores

 

Vasco Graça Moura

(1942-2014)

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Quinta-feira, 1 de Outubro de 2020

Recordando... Vasco Graça Moura

SONETO DO AMOR E DA MORTE

 

quando eu morrer murmura esta canção

que escrevo para ti. quando eu morrer

fica junto de mim, não queiras ver

as aves pardas do anoitecer

a revoar na minha solidão.

 

quando eu morrer segura a minha mão,

põe os olhos nos meus se puder ser,

se inda neles a luz esmorecer,

e diz do nosso amor como se não

 

tivesse de acabar, sempre a doer,

sempre a doer de tanta perfeição

que ao deixar de bater-me o coração

fique por nós o teu inda a bater,

quando eu morrer segura a minha mão.

 

In "Antologia dos Sessenta Anos"

Edições Asa

 

Vasco Graça Moura

(1942-2014)

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Sábado, 19 de Janeiro de 2019

Recordando... Vasco Graça Moura

AMAR-TE CORPO A CORPO

 

Se é esta a doce lei que eu imagino

do amor que nos impõe o seu ditado,

amar-te corpo a corpo é o meu fado

E amarrar-me a ti o meu destino

 

sentir a própria alma em carne viva

respirar boca a boca e nesse jogo

atravessar-me em fogo no teu fogo

e  alimentá-lo a beijos e saliva

 

se mais atino quando desatino

por meus jeitos de amor alvoroçado

é no alto mar revolto e desmaiado

que entre peripécias loucas me declino,

 

sendo cada carícia a mais lasciva

a inventar seus rumos afinal

na pura escuridão, na mais carnal,

que me cativa a mim e te cativa

 

entre as línguas, os sorvos, as gargantas,

doces gemidos, ternas resistências

e violências brandas, impaciências,

e tantas mais caricias, tantas, tantas

 

In “A Puxar Ao Sentimento”

Quetzal Editores

 

Vasco Graça Moura

(1942-2014)

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Segunda-feira, 13 de Fevereiro de 2017

Recordando... Vasco Graça Moura

SETEMBRO

 

agora o outono chega, nos seus plácidos

meneios pelas vinhas, um dos vizinhos passa

um cabaz de maçãs por sobre a vedação:

redondas, verdes, o seu perfume vai

dentro de quinze dias ser mais forte.

    

a noite cai mais cedo e apetece

guardar certos vermelhos da folhagem

e amarelos e castanhos nas ladeiras

de Setembro. a rádio fala no tempo variável

que vem aí dentro de dias. talvez caia

  

uma chuvinha benfazeja, a pôr no ponto certo

os bagos de uva. e há poalhas morosas, mais douradas.

aproveita-se o outono no macio

enchimento dos frutos para colhê-lo a tempo.

devagar, devagar. é mais doce no outono a tua pele.

  

In "Poesia 2001/2005"

Quetzal Editores

 

Vasco Graça Moura

(1942-2014)

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Sábado, 1 de Agosto de 2015

Recordando... Vasco Graça Moura

VAI-SE A LASCIVA MÃO

 

vai-se a lasciva mão devagarinho

no biquinho do peito modelando

como nuns versos conhecidos quando

uma mulher a meio do caminho

 

era de vento e nuvens, sombras, vinho,

e sonoras risadas como um bando.

os dedos lestos vão desenredando

roupa, cabelos, fitas, desalinho.

 

a noite desce e a nudez define-a

por contrastes de luz e de negrume

ponto por ponto, alínea por alínea.

 

memória e amor e música e ciúme

transformados nos cachos da glicínia,

macerando no verão sombra e perfume.  

 

In "Eros de Passagem, Poesia Erótica Contemporânea",

Selecção e prefácio de Eugénio de Andrade,

Ed. Campo das Letras - 1997

 

Vasco Graça Moura

(1942 - 2014)

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