TRIGUEIRA
Trigueira! Que tem? Mais feia
Com essa cor te imaginas?
Feia! Tu, que assim fascinas
Com um só olhar dos teus!
Que ciúmes tens da alvura
D’esses semblantes de neve!
Ai, pobre cabeça leva!
Que te não castigue Deus.
Trigueira! Se tu soubesses
O que é ser assim trigueira!
D’essa ardilosa maneira
Por que tu o sabes ser;
Não virias lamentar-te,
Toda sentida e chorosa,
Tendo inveja à cor da rosa,
Sem motivos para a ter.
Trigueira! Porque és trigueira
É que eu assim te quis tanto,
Daí provem todo o encanto
Em que me traz este amor.
E suspiras e murmuras!
Que mais desejavas inda?
Pois serias tu mais linda,
Se tivesses outra cor?
Trigueira! Onde mais realça
O brilhar duns olhos pretos,
Sempre húmidos, sempre inquietos,
Do que numa cor assim?
Onde o correr duma lágrima
Mais encantos apresenta?
E um sorriso, um só, nos tenta,
Como me tentou a mim?
Trigueira! E choras por isso!
Choras, quando outras te invejam
Essa cor, e em vão forcejam
Por, como tu, fascinar?
Ó louca, nunca mais digas,
Nunca mais, que és desditosa,
Invejar a cor da rosa,
Em ti, é quase pecar.
Trigueira! Vamos, esconde-me
Esse choro de criança.
Ai, que falta de confiança!
Que graciosa timidez!
Enxuga os bonitos olhos,
Então, não chores, trigueira,
E nunca dessa maneira
Te lamentes outra vez.
In “As Cem Melhores Poesias
Líricas da Língua Portuguesa”
Júlio Diniz **
1839 – 1871
** Pseudónimo de Joaquim Guilherme Gomes Coelho
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