ENQUANTO DORMIAS…
enquanto dormias coloquei o teu corpo sobre o mar
e atravessei o quarto e um pequeno-almoço de laranjas junto à janela
e de jornais pelo chão
pelo corredor
enquanto o teu corpo continuava a boiar
sobre a cama.
os órgãos
mantêm o corpo na linha espelhada da superfície
no equilíbrio entre os pulmões que querem regressar ao ar de
que são feitos e o coração
que é de água e quer mergulhar
arrastando tudo para as profundezas do mar e da consciência.
enquanto dormias despenharam-se
três cometas sobre o estábulo do rio
revolvendo as águas
(talvez fosse eu que boiasse e tu que me
observasses do cimo das águas e através da linha de mercúrio).
e resolvi partir
para fundar outra cidade.
uma intuitiva lei de equivalências transporta-me
do ondular do teu peito para a respiração do mar
no teu corpo adormecido.
onde o nosso filho, que é ainda apenas
um plano feito ao jantar
com os pratos já vazios e os talheres faiscando prata entre restos de comida
cresce erguendo abóbadas sobre o lago em que se banha
dormindo no equilíbrio das águas.
são os teus pulmões que nos têm mantido à tona,
na superfície do espelho que
não pertence a nenhum dos mundos a que serve de barreira
de refúgio.
enquanto dormias regressei
para te ver dormir.
In “Fórmulas”
Quasi Edições - 2004
Tiago Araújo
(N.1973)
O LUGAR DO MORTO
ao teu lado, no lugar do morto, enquanto
conduzes a conversa a uma frase sem
preparação. chegámos tarde à praia,
como a quase tudo. o vento levanta o
pó do parque de estacionamento e não
saímos do carro. não sei a resposta certa
e por isso represento mal o meu papel secundário,
limito-me a ficar em silêncio, onde
sempre me senti mais confortável.
um lugar sombrio, discreto, abrigado
e ainda assim, segundo dizem, o mais perigoso.
In “Livre Arbítrio”
Averno - 2009
Tiago Araújo
(N. 1973)
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