O SONO DO JOÃO
O João dorme... (Ó Maria, Deixa-o dormir, até ser
Dize àquela cotovia Um velhinho... até morrer!
Que fale mais devagar:
Não vá, o João, acordar...) E tu vê-lo-ás crescendo
A teu lado (estou-o vendo
João! que rapaz tão lindo!)
Tem só um palmo de altura Mas sempre, sempre dormindo...
E nem meio de largura:
Para o amigo orangotango Depois, um dia virá
O João seria... um morango! Que (dormindo) passará
Podia engoli-lo um leão Do berço, onde agora dorme,
Quando nasce! As pombas são Para outro, grande, enorme:
Um poucochinho maiores... E as pombas que eram maiores
Mas os astros são menores! Que João... ficarão menores!
O João dorme... Que regalo! Mas para isso, ó Maria
Deixá-lo dormir, deixá-lo! Dize aquela cotovia
Calai-vos, águas do moinho! Que fale mais devagar:
Ó mar! fala mais baixinho... Não vá, o João, acordar...
E tu, mãe! E tu, Maria!
Pede aquela cotovia E os anos irão passando.
Que fale mais devagar:
Não vá, o João, acordar... Depois, já velhinho, quando
(Serás velhinha também)
O João dorme, o inocente! Perder a cor que, hoje, tem,
Dorme, dorme eternamente, Perder as cores vermelhas
Teu calmo sono profundo! E for cheiinho de engelhas,
Não acordes para o mundo, Morrerá sem o sentir,
Pode levar-te a maré: Isto é, deixa de dormir:
Tu mal sabes o que isto é... Acorda e regressa ao seio
De Deus, que é donde ele veio...
Ó mãe canta-lhe a canção,
Os versos de teu irmão: Mas para isso, ó Maria!
" Na vida que a dor povoa Pede aquela cotovia
Há só uma coisa boa, Que fale mais devagar:
Que é dormir, dormir, dormir...
Tudo vai sem se sentir". Não vá, o João, acordar...
António Nobre
1867 – 1900
In Só – 1891
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