COM SOL E SAL, EU ESCREVO
Escrevo no meio de tantas derrocadas,
tantas ruínas, tanto desespero,
mas também tanta esperança renovada,
tantos jovens que, no meio do desencanto,
mantêm a pureza das cascatas,
tantas crianças que são a primavera
que chegará um dia e ficará
no coração da terra, quantas vezes
mutilada, humilhada por aqueles
que trazem a ganância no seu sangue.
Com sol e sal eu escrevo.
E todos juntos vamos transformar,
com tudo o que nós temos de coragem,
este mundo idiota
que envia flores aos mortos
e atira pedradas aos vivos.
In "Com sol e sal, eu escrevo” 1977
Sidónio Muralha
(1920-1982)
OS APAZIGUADORES
A tribo é indócil.
Os apaziguadores são boas pessoas.
Eles cantam a paz
na boca das armas.
Eles desarmam as bocas
quando cantam a paz.
Só não desarmam as armas
porque a paz desarmada
passaria a ser paz
e eles ficariam desempregados
porque não há apaziguadores
em tempo de paz.
O medo tocou os apaziguadores,
o medo tocou o gatilho das armas,
e os indóceis ficaram apaziguados,
definitivamente apaziguados,
horizontalmente apaziguados.
E os apaziguadores voltaram aos lares
e com gestos medidos e apaziguados
guardaram as armas, lavaram as mãos,
e distribuíram beijos pacificamente
a toda a família.
In “Cem Poemas Portugueses do Riso e do Maldizer”
Selecção, organização e introdução de José Fanha e José Jorge Letria
Editora Terramar
Sidónio Muralha
1920 – 1982
DOIS POEMAS DA PRAIA DA AREIA BRANCA
1
Na praia da Areia Branca
os búzios não falam só do mar:
– falam das pragas, dos clamores,
da fome dos pescadores
e dos lenços tristes a acenar.
Búzios da praia da Areia branca:
– um dia,
haveis de falar
unicamente do mar.
2
No fundo do mar,
há barcos, tesoiros,
segredos por desvendar
e marinheiros que foram morenos ou loiros.
Ali, não são morenos nem loiros:
– são formas breves, a descansar,
sem ambições para os tesoiros
e de cabelos verdes dos limos do mar.
Serenos, serenos, repousam os mortos,
enquanto o mar
ensina o mundo a falar
a mesma língua em todos os portos.
In “Passagem de Nível”
Portugália Editora
Sidónio Muralha
1920 – 1982
ROMANCE
Depois daquela noite os teus seios incharam;
as tuas ancas alargaram-se;
e os teus parentes admiraram-se
e falaram, falaram…
Porque falaram de uma coisa tal bela,
tal simples, tão natural?
Tu não parias uma estrela
nem uma noite de vendaval…
Mas tudo terminou porque falaram.
Tu fraquejaste e tudo terminou.
– Os teus seios desincharam;
só a tristeza ficou.
Ficou a tristeza de uma coisa tão bela,
tão simples, tão natural…
– Tu não parias uma estrela,
nem uma noite de vendaval…
In “Passagem de Nível”
Portugália Editora
Sidónio Muralha
1920 – 1982
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