PUREZA
Vem toda nua
ou, se o não consentir o teu pudor,
vestida de vermelho.
Teus tules brancos,
o azul, que desmaia,
de tuas sedas finas,
guarda-os p’ra outros dias.
P’ra quando, Amor!, teu ventre, já redondo,
merecer a pureza do azul...
In “Cabo da Boa Esperança”
Editora Ática
Sebastião da Gama
(1924-1952)
NUNCA FALA DA VIDA
Nunca fala da Vida
sem que entristeça…
Mas flores que morrem
nascem outra vez…
Mas pela ardentia
zunem as cigarras…
Mas aquela moça
traz no ventre um filho…
Mas das folhas secas
que há pelo Outono
(de olhá-las a gente
quase entristecia)
já ninguém se lembra
quando é Primavera…
In “Cabo da Boa Esperança”
Ed. Ática – 1970
Sebastião da Gama
(1924-1952)
PELO SONHO É QUE VAMOS
Pelo sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos, não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo sonho é que vamos.
Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e ao que é do dia a dia.
Chegamos? Não chegamos?
Partimos. Vamos. Somos.
In “Pelo Sonho é que Vamos”
Ática - 1999
Sebastião da Gama
(1924-1952)
RESSURREIÇÃO
Que tristeza entristece a flor das águas?
Ó sereias do Mar, peixes humanos,
serão saudades vossas?
Ó sereias do Mar, que havia dantes,
quando os homens sabiam deslumbrar-se .. .
Se haverá Primavera no país
das algas, das anémonas...
Inútil primavera!... Quem viria
(as sereias morreram...) enfeitar-se
com as rosas marinhas?
Mas da noite do Mar eis se levantam
vultos de luz, etéreas esculturas.
Serão puros espíritos, mas sinto-as,
sua pele contra a minha, no meu corpo.
E um perfume de carne e maresia
me toma por inteiro, me transtorna
– casto, insistente, virgem, feminino.
Pela noite do Mar, inesperadas,
surgem vivas do mito que as encanta,
surgem, desencantadas, as sereias
– luas de carne enluarando a noite.
Abre-se a flor das águas como um lótus.
Conchinhas, algas, búzios, estremece-os
um frémito de gozo e de alegria.
Dançam de roda, infantilmente, os p eixes.
E as mãos do Poeta afogam-se de anémonas
primaverais, misteriosas, dignas
elas só do afago das sereias .. .
Arrábida, 3 e 4/IV/1950
(Poesia Inédita)
In “ÁRVORE ”
Folhas de Poesia
Direcção e Edição de António Luís Moita, António Ramos Rosa,
José Terra, Luís Amaro, Raul de Carvalho
2.° Fascículo - Inverno ele 1951-52
Pág. 85/86
Sebastião da Gama
(1924-1952)
COMPANHEIRA
Não te busquei, não te pedi: vieste.
E desde que eu nasci houve mil coisas
que a meus olhos se deram com igual
simplicidade: o Sol, a manhã de hoje,
essa flor que é tão grácil que a não quero,
o milagre das fontes pelo Estio...
Vieste (O Sol veio também, a flor,
a manhã de hoje, as águas... ). Alegria,
mas calada alegria, mas serena,
entendimento puro, natural
encontro, natural como a chegada
do Sol, da flor, das águas, da manhã,
de ti, que eu não buscara nem pedira.
E o Amor? E o Amor? E o Amor?
- Vieste.
In “Campo Aberto”
Editora Ática
Sebastião da Gama
(1924-1952)
VIESSES TU, POESIA...
Viesses tu, Poesia,
e o mais estava certo.
Viesses no deserto,
viesses na tristeza,
viesses com a Morte...
Que alegria mereço, ou que pomar,
se os não justificar,
Poesia,
a tua vara mágica?
Bem sei: antes de ti foi a Mulher,
foi a Flor, foi o Fruto, foi a Água...
Mas tu é que disseste e os apontaste:
- Eis a Mulher, a Água, a Flor, o Fruto.
E logo foram graça, aparição, presença,
sinal...
(Sem ti, sem ti que fora
das rosas?)
Mortas, mortas pra sempre na primeira,
morta à primeira hora.)
Ó Poesia!, viesses
na hora desolada
e regressara tudo
à graça do princípio...
In "Pelo Sonho é que Vamos"
Edições Ática
Sebastião da Gama
(1924-1952)
NASCI PARA SER IGNORANTE
Nasci para ser ignorante
mas os parentes teimaram
(e dali não arrancaram)
em fazer de mim estudante.
Que remédio? Obedeci.
Há já três lustros que estudo.
Aprender, aprendi tudo,
mas tudo desaprendi.
Perdi o nome às Estrelas,
aos nossos rios e aos de fora.
Confundo fauna com flora.
Atrapalham-me as parcelas.
Mas passo dias inteiros
a ver um rio passar.
Com aves e ondas do Mar
tenho amores verdadeiros.
Rebrilha sempre uma Estrela
por sobre o meu parapeito;
pois não sou eu que me deito
sem ter falado com ela.
Conheço mais de mil flores.
Elas conhecem-me a mim.
Só não sei como em latim
as crismaram os doutores.
No entanto sou promovido,
mal haja lugar aberto,
a mestre: julgam-me esperto,
inteligente e sabido.
O pior é se um director
espreita p'la fechadura:
lá se vai licenciatura
se ouve as lições do doutor.
Lá se vai o ordenado
de tuta-e-meia por mês.
Lá fico eu de uma vez
um Poeta desempregado.
Se me não lograr o fado
porém, com tais directores,
e de rios, aves e flores
somente for vigiado,
enquanto as aulas correrem
não sentirei calafrios,
que flores, aves e rios
ignorante é que me querem.
In ”Cabo da Boa Esperança”
Ática Editora
Sebastião da Gama
(1924-1952)
DEFESA
O sól é meu e dos meninos ricos...
- Triste de quem não vê florir as rosas!
Triste de a quem somente foram dadas
ruas sombrias, lôbregos desvãos!
Ah!, mas não tenho a culpa. Sou moreno
sou forte, porque o Sol me quer assim.
Digam ao Sol, se entendem, que se esconda:
não me peçam a mim que esconda as mãos,
nem que neguem meus olhos e meus lábios
o milagre de o Sol gostar de mim!
In "Cabo da Boa Esperança"
Edições Ática
Sebastião da Gama
1924 – 1952
SOMOS ASSIM AOS DEZASSETE
Somos assim aos dezassete.
Sabemos lá que a Vida é ruim!
A tudo amamos, tudo cremos.
Aos dezassete eu fui assim.
Depois, Acilda, os livros dizem,
Dizem os velhos, dizem todos:
«A Vida é triste! A Vida leva,
A um e um, todos os sonhos.»
Deixá-los lá falar os velhos,
Deixá-los lá… A Vida é ruim?
Aos vinte e seis eu amo, eu creio.
Aos vinte e seis eu sou assim.
In “Pelo Sonho é que Vamos”
Editora Ática
Sebastião da Gama
1924 – 1952
BALADA DAS QUATRO MENINAS
As quatro meninas têm quinze anos.
Têm nas gavetas cadernos de escola
fechados à chave… Têm nas gavetas
(que ninguém o sonhe!) as tranças cortadas
há dois ou três dias… Têm quinze anos.
As quatro meninas têm namorados.
(Como gostam delas!...) As quatro meninas
sabem que são belas, que o juram aquelas
cartas escondidas entre os seios tímidos.
As quatro meninas sabem-se miradas.
Sabem da inveja que têm na praia
os outros rapazes dos quatro rapazes
que à tarde lhes dizem… as coisas que dizem.
E as quatro meninas sentem-se felizes.
Chove… chove… chove… Esbeltas, à janela,
por detrás dos vidros, cismam as meninas.
– que palavras meigas estarão escrevendo,
por detrás dos vidros, escutando a chuva,
os quatro rapazes, os quatro mais belos,
martes, mais ágeis, que existem no Mundo?
As quatro meninas sorriem: bem sabem.
In “Campo Aberto” – 1951
Portugália Editora
Sebastião da Gama
1924 – 1952
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