MESTRE, SÃO PLÁCIDAS
Mestre, são plácidas
Todas as horas
Que nós perdemos.
Se no perdê-las,
Qual numa jarra,
Nós pomos flores.
Não há tristezas
Nem alegrias
Na nossa vida.
Assim saibamos,
Sábios incautos,
Não a viver,
Mas decorrê-la,
Tranquilos, plácidos,
Tendo as crianças
Por nossas mestras,
E os olhos cheios
De Natureza...
À beira-rio,
À beira-estrada,
Conforme calha,
Sempre no mesmo
Leve descanso
De estar vivendo.
O tempo passa,
Não nos diz nada.
Envelhecemos.
Saibamos, quase
Maliciosos,
Sentir-nos ir.
Não vale a pena
Fazer um gesto.
Não se resiste
Ao deus atroz
Que os próprios filhos
Devora sempre.
Colhamos flores.
Molhemos leves
As nossas mãos
Nos rios calmos,
Para aprendermos
Calma também.
Girassóis sempre
Fitando o sol,
Da vida iremos
Tranquilos, tendo
Nem o remorso
De ter vivido.
Odes de Ricardo Reis
In “Fernando Pessoa – Antologia Poética” – 3ª. Edição
Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses – Editora Ulisses
Pág. 121/122
Ricardo Reis
Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)
AMO O QUE VEJO PORQUE DEIXAREI
Amo o que vejo porque deixarei
Qualquer dia de o ver.
Amo-o também porque é.
No plácido intervalo em que me sinto,
Do amar, mais que ser,
Amo o haver tudo e a mim.
Melhor me não dariam, se voltassem,
Os primitivos deuses,
Que também, nada sabem.
11-10-1934
In “Poemas de Ricardo Reis”
Edição Crítica de Luiz Fagundes Duarte
Imprensa Nacional - Casa da Moeda - 1994
Ricardo Reis
Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)
OS DEUSES DESTERRADOS
Os deuses desterrados.
Os irmãos de Saturno,
Às vezes, no crepúsculo
Vêm espreitar a vi
Vêm então ter connosco
Remorsos e saudades
E sentimentos falsos.
É a presença deles,
Deuses que o destroná-los
Tornou espirituais,
De matéria vencida,
Longínqua e inativa.
Vêm, inúteis forças
Solicitar em nós
As dores e os cansaços,
Que nos tiram da mão,
Como a um bêbedo mole,
A taça da alegria.
Vêm fazer-nos crer,
Despeitadas ruínas
De primitivas forças,
Que o mundo é mais extenso
Que o que se vê e palpa,
Para que ofendamos
A Júpiter e a Apolo.
Assim até à beira
Terrena do horizonte
Hiperion no crepúsculo
Vem chorar pelo carro
Que Apolo lhe roubou.
E o poente tem cores
Da dor dom deus longínquo,
E ouve-se soluçar
Para além das esferas...
Assim choram os deuses.
12-6-1914
In “Odes de Ricardo Reis”
(Notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor)
Ática, 1946 (imp.1994)
Pág. 16
Ricardo Reis
Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)
VOU DORMIR, DORMIR, DORMIR
Nirvana
Vou dormir, dormir, dormir,
Vou dormir sem despertar,
Mas não dormir sem sentir
Que estou dormindo a sonhar.
Não insciência e só treva
Mas também estrelas a abrir
Olhos cujo olhar me enleva,
Que estou sonhando a dormir.
Constelada inexistência
Em que subsiste de meu
Só uma abstracta insciência
Una com estrelas e céu.
20-2-1928
In “Poemas de Ricardo Reis”
Edição Crítica de Luiz Fagundes Duarte
Imprensa Nacional - Casa da Moeda - 1994
Ricardo Reis
Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)
AQUI, NESTE MISÉRRIMO DESTERRO
Aqui, neste misérrimo desterro
Onde nem desterrado estou, habito,
Fiel, sem que queira, àquele antigo erro
Pelo qual sou proscrito.
O erro de querer ser igual a alguém
Feliz, em suma — quanto a sorte deu
A cada coração o único bem
De ele poder ser seu.
6-4-1933
In “Odes de Ricardo Reis”
Notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor
Ática, 1946 (imp.1994)
Pág. 153
Ricardo Reis
Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)
DE NOVO TRAZ AS APARENTES NOVAS
De novo traz as aparentes novas
Flores o verão novo, e novamente
Verdesce a cor antiga
Das folhas redivivas.
Não mais, não mais dele o infecundo abismo,
Que mudo sorve o que mal somos, torna
À clara luz superna
A presença vivida.
Não mais; e a prole a que, pensando, dera
A vida da razão, em vão o chama,
Que as nove chaves fecham,
Da Estige irreversível.
O que foi como um deus entre os que cantam,
O que do Olimpo as vozes, que chamavam,
‘Scutando ouviu, e, ouvindo,
Entendeu, hoje é nada.
Tecei embora as, que teceis, Grinaldas.
Quem coroais, não coroando a ele?
Votivas as deponde,
Fúnebres sem ter culto.
Fique, porém, livre da leiva e do Orco,
A fama; e tu, que Ulisses erigira,
Tu, em teus sete montes,
Orgulha-te materna,
Igual, desde ele às sete que contendem
Cidades por Homero, ou alcaica Lesbos,
Ou heptápila Tebas
Ogígia mãe de Píndaro.
In “Poesia”
Ed. Manuela Parreira da Silva
Assírio & Alvim
Ricardo Reis
Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)
AMO O QUE VEJO PORQUE DEIXAREI
Amo o que vejo porque deixarei
Qualquer dia de o ver.
Amo-o também porque é.
No plácido intervalo em que me sinto,
Do amar, mais que ser,
Amo o haver tudo e a mim.
Melhor me não dariam, se voltassem,
Os primitivos deuses,
Que também, nada sabem.
11-10-1934
In “Poemas de Ricardo Reis”
Edição Crítica de Luiz Fagundes Duarte
Imprensa Nacional - Casa da Moeda - 1994
Ricardo Reis
Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)
PONHO NA ALTIVA MENTE O FIXO ESFORÇO
Ponho na altiva mente o fixo esforço
Da altura, e à sorte deixo,
E às suas leis, o verso;
Que, quando é alto e régio o pensamento,
Súbdita a frase o busca
E o escravo ritmo o serve.
Odes de Ricardo Reis
In “Fernando Pessoa – Antologia Poética” - 3ª. Edição
Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses - Editora Ulisses
Pág. 134
Ricardo Reis
Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)
NÃO SÓ QUEM NOS ODEIA OU NOS INVEJA
Não só quem nos odeia ou nos inveja
Nos limita e oprime; quem nos ama
Não menos nos limita.
Que os deuses me concedam que, despido
De afectos, tenha a fria liberdade
Dos píncaros sem nada.
Quem quer pouco, tem tudo; quem quer nada
É livre; quem não tem, e não deseja,
Homem, é igual aos deuses.
Odes de Ricardo Reis
In “Fernando Pessoa – Antologia Poética” - 3ª. Edição
Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses - Editora Ulisses
Ricardo Reis/Fernando Pessoa
(1888 - 1935)
LENTA, DESCANSA A ONDA QUE A MARÉ DEIXA
Lenta, descansa a onda que a maré deixa.
Pesada cede. Tudo é sossegado.
Só o que é de homem se ouve.
Cresce a vinda da lua.
Nesta hora, Lídia ou Neera Ou Cloe,
Qualquer de vós me é estranha, que me inclino
Para o segredo dito
Pelo silêncio incerto.
Tomo nas mãos, como caveira, ou chave
De supérfluo sepulcro, o meu destino,
E ignaro o aborreço
Sem coração que o sinta.
6 - 7 - 1927
(Odes de Ricardo Reis)
In “Fernando Pessoa – Antologia Poética”
3ª. Edição – Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses
Editora Ulisses
Ricardo Reis/Fernando Pessoa
1887 – 1936
. Mais poesia em
. Eu li...
. Recordando... Ricardo Rei...
. Recordando... Ricardo Rei...
. Recordando... Ricardo Rei...
. Recordando... Ricardo Rei...
. Recordando... Ricardo Rei...
. Recordando... Ricardo Rei...
. Recordando... Ricardo Rei...
. Recordando... Ricardo Rei...
. Recordando... Ricardo Rei...
. Recordando... Ricardo Rei...