Quinta-feira, 1 de Junho de 2023

Recordando... Ricardo Reis

MESTRE, SÃO PLÁCIDAS

 

Mestre, são plácidas

Todas as horas

Que nós perdemos.

Se no perdê-las,

Qual numa jarra,

Nós pomos flores.

 

Não há tristezas

Nem alegrias

Na nossa vida.

Assim saibamos,

Sábios incautos,

Não a viver,

 

Mas decorrê-la,

Tranquilos, plácidos,

Tendo as crianças

Por nossas mestras,

E os olhos cheios

De Natureza...

 

À beira-rio,

À beira-estrada,

Conforme calha,

Sempre no mesmo

Leve descanso

De estar vivendo.

 

O tempo passa,

Não nos diz nada.

Envelhecemos.

Saibamos, quase

Maliciosos,

Sentir-nos ir.

 

Não vale a pena

Fazer um gesto.

Não se resiste

Ao deus atroz

Que os próprios filhos

Devora sempre.

 

Colhamos flores.

Molhemos leves

As nossas mãos

Nos rios calmos,

Para aprendermos

Calma também.

 

Girassóis sempre

Fitando o sol,

Da vida iremos

Tranquilos, tendo

Nem o remorso

De ter vivido.

 

Odes de Ricardo Reis

 

In “Fernando Pessoa – Antologia Poética” – 3ª. Edição

Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses – Editora Ulisses

Pág. 121/122

 

Ricardo Reis

 

Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Sábado, 25 de Junho de 2022

Recordando... Ricardo Reis

AMO O QUE VEJO PORQUE DEIXAREI

 

Amo o que vejo porque deixarei

Qualquer dia de o ver.

Amo-o também porque é.

 

No plácido intervalo em que me sinto,

Do amar, mais que ser,

Amo o haver tudo e a mim.

 

Melhor me não dariam, se voltassem,

Os primitivos deuses,

Que também, nada sabem.

 

11-10-1934

 

In “Poemas de Ricardo Reis” 

Edição Crítica de Luiz Fagundes Duarte

Imprensa Nacional - Casa da Moeda - 1994

 

Ricardo Reis

 

Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Segunda-feira, 7 de Junho de 2021

Recordando... Ricardo Reis

OS DEUSES DESTERRADOS

 

Os deuses desterrados.

Os irmãos de Saturno,

Às vezes, no crepúsculo

Vêm espreitar a vi

 

Vêm então ter connosco

Remorsos e saudades

E sentimentos falsos.

É a presença deles,

Deuses que o destroná-los

Tornou espirituais,

De matéria vencida,

Longínqua e inativa.

 

Vêm, inúteis forças

Solicitar em nós

As dores e os cansaços,

Que nos tiram da mão,

Como a um bêbedo mole,

A taça da alegria.

 

Vêm fazer-nos crer,

Despeitadas ruínas

De primitivas forças,

Que o mundo é mais extenso

Que o que se vê e palpa,

Para que ofendamos

A Júpiter e a Apolo.

 

Assim até à beira

Terrena do horizonte

Hiperion no crepúsculo

Vem chorar pelo carro

Que Apolo lhe roubou.

 

E o poente tem cores

Da dor dom deus longínquo,

E ouve-se soluçar

Para além das esferas...

Assim choram os deuses.

 

12-6-1914

 

In “Odes de Ricardo Reis”

(Notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor)

Ática, 1946 (imp.1994)

Pág. 16

 

Ricardo Reis

 

Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)

 

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito (1)
Segunda-feira, 1 de Junho de 2020

Recordando... Ricardo Reis

VOU DORMIR, DORMIR, DORMIR

 

Nirvana

 

 

Vou dormir, dormir, dormir,

Vou dormir sem despertar,

Mas não dormir sem sentir

Que estou dormindo a sonhar.

 

Não insciência e só treva

Mas também estrelas a abrir

Olhos cujo olhar me enleva,

Que estou sonhando a dormir.

 

Constelada inexistência

Em que subsiste de meu

Só uma abstracta insciência

Una com estrelas e céu.

 

20-2-1928

 

In “Poemas de Ricardo Reis” 

Edição Crítica de Luiz Fagundes Duarte

Imprensa Nacional - Casa da Moeda - 1994

 

Ricardo Reis

 

Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Sábado, 1 de Junho de 2019

Recordando... Ricardo Reis

AQUI, NESTE MISÉRRIMO DESTERRO

 

Aqui, neste misérrimo desterro

Onde nem desterrado estou, habito,

Fiel, sem que queira, àquele antigo erro

Pelo qual sou proscrito.

O erro de querer ser igual a alguém

Feliz, em suma — quanto a sorte deu

A cada coração o único bem

De ele poder ser seu.

 

6-4-1933

 

In “Odes de Ricardo Reis”

Notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor

Ática, 1946 (imp.1994)

Pág. 153

 

Ricardo Reis

 

Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Quinta-feira, 7 de Junho de 2018

Recordando... Ricardo Reis

DE NOVO TRAZ AS APARENTES NOVAS

 

De novo traz as aparentes novas

Flores o verão novo, e novamente

Verdesce a cor antiga

Das folhas redivivas.

Não mais, não mais dele o infecundo abismo,

Que mudo sorve o que mal somos, torna

À clara luz superna

A presença vivida.

Não mais; e a prole a que, pensando, dera

A vida da razão, em vão o chama,

Que as nove chaves fecham,

Da Estige irreversível.

O que foi como um deus entre os que cantam,

O que do Olimpo as vozes, que chamavam,

‘Scutando ouviu, e, ouvindo,

Entendeu, hoje é nada.

Tecei embora as, que teceis, Grinaldas.

Quem coroais, não coroando a ele?

Votivas as deponde,

Fúnebres sem ter culto. 

Fique, porém, livre da leiva e do Orco,

A fama; e tu, que Ulisses erigira,

Tu, em teus sete montes,

Orgulha-te materna,

Igual, desde ele às sete que contendem

Cidades por Homero, ou alcaica Lesbos,

Ou heptápila Tebas

Ogígia mãe de Píndaro. 

 

In “Poesia”

Ed. Manuela Parreira da Silva

Assírio & Alvim

 

Ricardo Reis

 

Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Segunda-feira, 19 de Junho de 2017

Recordando... Ricardo Reis

AMO O QUE VEJO PORQUE DEIXAREI

 

Amo o que vejo porque deixarei

Qualquer dia de o ver.

Amo-o também porque é.

 

No plácido intervalo em que me sinto,

Do amar, mais que ser,

Amo o haver tudo e a mim.

 

Melhor me não dariam, se voltassem,

Os primitivos deuses,

Que também, nada sabem.

11-10-1934

 

In “Poemas de Ricardo Reis”

Edição Crítica de Luiz Fagundes Duarte

Imprensa Nacional - Casa da Moeda - 1994

 

Ricardo Reis

 

Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Terça-feira, 7 de Junho de 2016

Recordando... Ricardo Reis

PONHO NA ALTIVA MENTE O FIXO ESFORÇO

 

Ponho na altiva mente o fixo esforço

       Da altura, e à sorte deixo,

       E às suas leis, o verso;

Que, quando é alto e régio o pensamento,

       Súbdita a frase o busca

       E o escravo ritmo o serve.

 

Odes de Ricardo Reis

 

In “Fernando Pessoa – Antologia Poética” - 3ª. Edição

Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses - Editora Ulisses

Pág. 134

 

Ricardo Reis

 

Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Terça-feira, 30 de Junho de 2015

Recordando... Ricardo Reis

NÃO SÓ QUEM NOS ODEIA OU NOS INVEJA

 

Não só quem nos odeia ou nos inveja

Nos limita e oprime; quem nos ama

               Não menos nos limita.

Que os deuses me concedam que, despido

De afectos, tenha a fria liberdade

               Dos píncaros sem nada.

Quem quer pouco, tem tudo; quem quer nada

É livre; quem não tem, e não deseja,

               Homem, é igual aos deuses.

 

Odes de Ricardo Reis

 

In “Fernando Pessoa – Antologia Poética” - 3ª. Edição

Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses - Editora Ulisses

 

Ricardo Reis/Fernando Pessoa

(1888 - 1935)

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | ler comentários (1) | favorito
Segunda-feira, 30 de Junho de 2014

Recordando... Ricardo Reis

LENTA, DESCANSA A ONDA QUE A MARÉ DEIXA

 

Lenta, descansa a onda que a maré deixa.

Pesada cede. Tudo é sossegado.

      Só o que é de homem se ouve.

      Cresce a vinda da lua.

Nesta hora, Lídia ou Neera Ou Cloe,

Qualquer de vós me é estranha, que me inclino

      Para o segredo dito

      Pelo silêncio incerto.

Tomo nas mãos, como caveira, ou chave

De supérfluo sepulcro, o meu destino,

      E ignaro o aborreço

      Sem coração que o sinta.

 

6 - 7 - 1927

 

(Odes de Ricardo Reis)

 

In “Fernando Pessoa – Antologia Poética”

3ª. Edição – Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses

Editora Ulisses

 

Ricardo Reis/Fernando Pessoa

1887 – 1936

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito

.Eu

.pesquisar

 

.Março 2024

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
14
15
16
17
18
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31

.Ano XVI

.posts recentes

. Recordando... Ricardo Rei...

. Recordando... Ricardo Rei...

. Recordando... Ricardo Rei...

. Recordando... Ricardo Rei...

. Recordando... Ricardo Rei...

. Recordando... Ricardo Rei...

. Recordando... Ricardo Rei...

. Recordando... Ricardo Rei...

. Recordando... Ricardo Rei...

. Recordando... Ricardo Rei...

.arquivos

. Março 2024

. Fevereiro 2024

. Janeiro 2024

. Dezembro 2023

. Novembro 2023

. Outubro 2023

. Setembro 2023

. Agosto 2023

. Julho 2023

. Junho 2023

. Maio 2023

. Abril 2023

. Março 2023

. Fevereiro 2023

. Janeiro 2023

. Dezembro 2022

. Novembro 2022

. Outubro 2022

. Setembro 2022

. Agosto 2022

. Julho 2022

. Junho 2022

. Maio 2022

. Abril 2022

. Março 2022

. Fevereiro 2022

. Janeiro 2022

. Dezembro 2021

. Novembro 2021

. Outubro 2021

. Setembro 2021

. Agosto 2021

. Julho 2021

. Junho 2021

. Maio 2021

. Abril 2021

. Março 2021

. Fevereiro 2021

. Janeiro 2021

. Dezembro 2020

. Novembro 2020

. Outubro 2020

. Setembro 2020

. Agosto 2020

. Julho 2020

. Junho 2020

. Maio 2020

. Abril 2020

. Março 2020

. Fevereiro 2020

. Janeiro 2020

. Dezembro 2019

. Novembro 2019

. Outubro 2019

. Setembro 2019

. Agosto 2019

. Julho 2019

. Junho 2019

. Maio 2019

. Abril 2019

. Março 2019

. Fevereiro 2019

. Janeiro 2019

. Dezembro 2018

. Novembro 2018

. Outubro 2018

. Setembro 2018

. Agosto 2018

. Julho 2018

. Junho 2018

. Maio 2018

. Abril 2018

. Março 2018

. Fevereiro 2018

. Janeiro 2018

. Dezembro 2017

. Novembro 2017

. Outubro 2017

. Setembro 2017

. Agosto 2017

. Julho 2017

. Junho 2017

. Maio 2017

. Abril 2017

. Março 2017

. Fevereiro 2017

. Janeiro 2017

. Dezembro 2016

. Novembro 2016

. Outubro 2016

. Setembro 2016

. Agosto 2016

. Julho 2016

. Junho 2016

. Maio 2016

. Abril 2016

. Março 2016

. Fevereiro 2016

. Janeiro 2016

. Dezembro 2015

. Novembro 2015

. Outubro 2015

. Setembro 2015

. Agosto 2015

. Julho 2015

. Junho 2015

. Maio 2015

. Abril 2015

. Março 2015

. Fevereiro 2015

. Janeiro 2015

. Dezembro 2014

. Novembro 2014

. Outubro 2014

. Setembro 2014

. Agosto 2014

. Julho 2014

. Junho 2014

. Maio 2014

. Abril 2014

. Março 2014

. Fevereiro 2014

. Janeiro 2014

. Dezembro 2013

. Novembro 2013

. Outubro 2013

. Setembro 2013

. Agosto 2013

. Julho 2013

. Junho 2013

. Maio 2013

. Abril 2013

. Março 2013

. Fevereiro 2013

. Janeiro 2013

. Dezembro 2012

. Novembro 2012

. Outubro 2012

. Setembro 2012

. Agosto 2012

. Julho 2012

. Junho 2012

. Maio 2012

. Abril 2012

. Março 2012

. Fevereiro 2012

. Janeiro 2012

. Dezembro 2011

. Novembro 2011

. Outubro 2011

. Setembro 2011

. Agosto 2011

. Julho 2011

. Junho 2011

. Maio 2011

. Abril 2011

. Março 2011

. Fevereiro 2011

. Janeiro 2011

. Dezembro 2010

. Novembro 2010

. Outubro 2010

. Setembro 2010

. Agosto 2010

. Julho 2010

. Junho 2010

. Maio 2010

. Abril 2010

. Março 2010

. Fevereiro 2010

. Janeiro 2010

. Dezembro 2009

. Novembro 2009

. Outubro 2009

. Setembro 2009

. Agosto 2009

. Julho 2009

. Junho 2009

. Maio 2009

. Abril 2009

. Março 2009

. Fevereiro 2009

. Janeiro 2009

. Dezembro 2008

. Novembro 2008

. Outubro 2008

. Setembro 2008

. Agosto 2008

. Julho 2008

. Junho 2008

. Maio 2008

. Abril 2008

. Março 2008

. Fevereiro 2008

. Janeiro 2008

. Dezembro 2007

. Novembro 2007

. Outubro 2007

. Setembro 2007

. Agosto 2007

. Julho 2007

. Junho 2007

. Maio 2007

. Abril 2007

.tags

. todas as tags

blogs SAPO

.subscrever feeds