AMO O QUE VEJO PORQUE DEIXAREI
Amo o que vejo porque deixarei
Qualquer dia de o ver.
Amo-o também porque é.
No plácido intervalo em que me sinto,
Do amar, mais que ser,
Amo o haver tudo e a mim.
Melhor me não dariam, se voltassem,
Os primitivos deuses,
Que também, nada sabem.
11-10-1934
In “Poemas de Ricardo Reis”
Edição Crítica de Luiz Fagundes Duarte
Imprensa Nacional - Casa da Moeda - 1994
Ricardo Reis
Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)
OS DEUSES DESTERRADOS
Os deuses desterrados.
Os irmãos de Saturno,
Às vezes, no crepúsculo
Vêm espreitar a vi
Vêm então ter connosco
Remorsos e saudades
E sentimentos falsos.
É a presença deles,
Deuses que o destroná-los
Tornou espirituais,
De matéria vencida,
Longínqua e inativa.
Vêm, inúteis forças
Solicitar em nós
As dores e os cansaços,
Que nos tiram da mão,
Como a um bêbedo mole,
A taça da alegria.
Vêm fazer-nos crer,
Despeitadas ruínas
De primitivas forças,
Que o mundo é mais extenso
Que o que se vê e palpa,
Para que ofendamos
A Júpiter e a Apolo.
Assim até à beira
Terrena do horizonte
Hiperion no crepúsculo
Vem chorar pelo carro
Que Apolo lhe roubou.
E o poente tem cores
Da dor dom deus longínquo,
E ouve-se soluçar
Para além das esferas...
Assim choram os deuses.
12-6-1914
In “Odes de Ricardo Reis”
(Notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor)
Ática, 1946 (imp.1994)
Pág. 16
Ricardo Reis
Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)
VOU DORMIR, DORMIR, DORMIR
Nirvana
Vou dormir, dormir, dormir,
Vou dormir sem despertar,
Mas não dormir sem sentir
Que estou dormindo a sonhar.
Não insciência e só treva
Mas também estrelas a abrir
Olhos cujo olhar me enleva,
Que estou sonhando a dormir.
Constelada inexistência
Em que subsiste de meu
Só uma abstracta insciência
Una com estrelas e céu.
20-2-1928
In “Poemas de Ricardo Reis”
Edição Crítica de Luiz Fagundes Duarte
Imprensa Nacional - Casa da Moeda - 1994
Ricardo Reis
Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)
AQUI, NESTE MISÉRRIMO DESTERRO
Aqui, neste misérrimo desterro
Onde nem desterrado estou, habito,
Fiel, sem que queira, àquele antigo erro
Pelo qual sou proscrito.
O erro de querer ser igual a alguém
Feliz, em suma — quanto a sorte deu
A cada coração o único bem
De ele poder ser seu.
6-4-1933
In “Odes de Ricardo Reis”
Notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor
Ática, 1946 (imp.1994)
Pág. 153
Ricardo Reis
Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)
DE NOVO TRAZ AS APARENTES NOVAS
De novo traz as aparentes novas
Flores o verão novo, e novamente
Verdesce a cor antiga
Das folhas redivivas.
Não mais, não mais dele o infecundo abismo,
Que mudo sorve o que mal somos, torna
À clara luz superna
A presença vivida.
Não mais; e a prole a que, pensando, dera
A vida da razão, em vão o chama,
Que as nove chaves fecham,
Da Estige irreversível.
O que foi como um deus entre os que cantam,
O que do Olimpo as vozes, que chamavam,
‘Scutando ouviu, e, ouvindo,
Entendeu, hoje é nada.
Tecei embora as, que teceis, Grinaldas.
Quem coroais, não coroando a ele?
Votivas as deponde,
Fúnebres sem ter culto.
Fique, porém, livre da leiva e do Orco,
A fama; e tu, que Ulisses erigira,
Tu, em teus sete montes,
Orgulha-te materna,
Igual, desde ele às sete que contendem
Cidades por Homero, ou alcaica Lesbos,
Ou heptápila Tebas
Ogígia mãe de Píndaro.
In “Poesia”
Ed. Manuela Parreira da Silva
Assírio & Alvim
Ricardo Reis
Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)
AMO O QUE VEJO PORQUE DEIXAREI
Amo o que vejo porque deixarei
Qualquer dia de o ver.
Amo-o também porque é.
No plácido intervalo em que me sinto,
Do amar, mais que ser,
Amo o haver tudo e a mim.
Melhor me não dariam, se voltassem,
Os primitivos deuses,
Que também, nada sabem.
11-10-1934
In “Poemas de Ricardo Reis”
Edição Crítica de Luiz Fagundes Duarte
Imprensa Nacional - Casa da Moeda - 1994
Ricardo Reis
Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)
PONHO NA ALTIVA MENTE O FIXO ESFORÇO
Ponho na altiva mente o fixo esforço
Da altura, e à sorte deixo,
E às suas leis, o verso;
Que, quando é alto e régio o pensamento,
Súbdita a frase o busca
E o escravo ritmo o serve.
Odes de Ricardo Reis
In “Fernando Pessoa – Antologia Poética” - 3ª. Edição
Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses - Editora Ulisses
Pág. 134
Ricardo Reis
Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)
NÃO SÓ QUEM NOS ODEIA OU NOS INVEJA
Não só quem nos odeia ou nos inveja
Nos limita e oprime; quem nos ama
Não menos nos limita.
Que os deuses me concedam que, despido
De afectos, tenha a fria liberdade
Dos píncaros sem nada.
Quem quer pouco, tem tudo; quem quer nada
É livre; quem não tem, e não deseja,
Homem, é igual aos deuses.
Odes de Ricardo Reis
In “Fernando Pessoa – Antologia Poética” - 3ª. Edição
Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses - Editora Ulisses
Ricardo Reis/Fernando Pessoa
(1888 - 1935)
LENTA, DESCANSA A ONDA QUE A MARÉ DEIXA
Lenta, descansa a onda que a maré deixa.
Pesada cede. Tudo é sossegado.
Só o que é de homem se ouve.
Cresce a vinda da lua.
Nesta hora, Lídia ou Neera Ou Cloe,
Qualquer de vós me é estranha, que me inclino
Para o segredo dito
Pelo silêncio incerto.
Tomo nas mãos, como caveira, ou chave
De supérfluo sepulcro, o meu destino,
E ignaro o aborreço
Sem coração que o sinta.
6 - 7 - 1927
(Odes de Ricardo Reis)
In “Fernando Pessoa – Antologia Poética”
3ª. Edição – Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses
Editora Ulisses
Ricardo Reis/Fernando Pessoa
1887 – 1936
PREFIRO ROSAS
Prefiro rosas, meu amor, à pátria,
E antes magnólias amo
Que a glória e a virtude.
Logo que a vida me não canse, deixo
Que a vida por mim passe
Logo que eu fique o mesmo.
Que importa àquele a quem já nada importa
Que um perca e outro vença,
Se a aurora raia sempre,
Se cada ano com a Primavera
As folhas aparecem
E com o Outono cessam?
E o resto, as outras coisas que os humanos
Acrescentam à vida,
Que me aumentam na alma?
Nada, salvo o desejo de indif’rença
E a confiança mole
Na hora fugitiva.
Odes de Ricardo Reis
In “Fernando Pessoa – Antologia Poética” – 3ª. Edição
Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses
Editora Ulisses
Ricardo Reis/Fernando Pessoa
1887 – 1935
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