QUANDO EU TIVER A CERTEZA
Quando eu tiver a certeza
de que nada foi verdade,
e que dentro da tristeza
da minha serenidade
nunca o Sonho foi beleza,
nem a Poesia certeza,
nem o Amor foi verdade...
Quando eu souber bem a fundo
que era cinza a minha pele;
que ninguém me viu no mundo,
e que eu não passei por ele...
Quando, de brumas envolta,
só vir casarões vazios,
e só as vozes à solta
me despertem de arrepios...
Quando o frio me despir
as ilusões que julguei,
as vitórias que criei,
os movimentos sagrados,
e já nada me entristeça...
E nem na sombra, em retratos,
já ninguém me reconheça,
– se nem retratos tirei! –
nos olhos me apagarei.
Quando eu tiver a certeza
de que nada foi verdade:
nem os bens, nem a Beleza,
nem a minha imensidade,
nem os braços que estendi,
nem Espaços que viajei,
nem ilhas que nunca vi
mas chão onde descansei,
nem noites de danças lentas
em que me vinham buscar
– madrugadas nevoentas
de ir com Eles para o mar...
Nem esse gosto impreciso
– ténue gosto de salgado –
que há-de haver no Paraíso
quando está longe o pecado...
Quando eu tiver a certeza
de que nada foi verdade...
– pedra me sinta atirada
entre as coisas sem idade...
In "Atlântico: revista lusa brasileira”
Nova Série, n.º 6 de 2 de Junho de 1948
Natércia Freire
(1919-2004)
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