PRIMAVERA DE DEUS
Primeira vez que os olhos meus rezaram,
Abranjendo o orizonte, o céu, o espaço,
E em meu olhar estático passaram
As coisas, num fraterno, unjido abraço;
Primeiro verso traduzindo a minha
Ânsia indomável de Beleza e cõr,
E primeira emoção, a que adivinha,
Em tudo quanto existe, igual Amor;
Primeira eterna ora admirável
Em que eu senti meu coração vibrando
Com as coisas, num ritmo inefável,
– Névoa, pedra a sonhar, fonte chorando…
Primeira vez que os braços meus cingiram
Um tronco viridente, ou a emoção
De que meus olhos tristes se cobriram,
Como abraçasse o próprio coração;
E a vez primeira em que na minha fronte,
Na minha lama simples, repoisou,
– Como oração de névoa sobre um monte, –
A consciência clara do que sou;
Primeiro dia iniciado puro,
– Todas as almas téem alvoradas –
Em que senti as coisas, de mãos dadas,
Caminharem comigo para o Futuro;
Primeira vez em que um sentir profundo,
Num delírio sagrado, adivinhou
Um invisível, transcendente mundo,
– E o silêncio e os mistérios escutou;
… Alma-fraterna que me disse tudo
E me ensinou a olhar e a perceber
A emoção deslumbrada, o sentir mudo,
De rocha ou tronco, ou de alvorada ou sêr;
Primeira vez em que caí de giolhos,
– Postas as mãos, a luz do sol no olhar –
Bebendo a luz divina pelos olhos,
Sentindo a sêde espiritual de amar;
Primeira vez em que chorei de encanto,
Primeira elevação religiosa
Da minha alma, enternecida, ansiosa,
A persentir em mim o heroi, o santo;
Quando, vivendo em mim profunda a vida,
Em minh’alma, vestida de esplendor,
Senti a própria alma renascida,
A aleluia, a anunciação do Amor;
Primeira vez em que na minha Arte,
Nos meus versos, – mãezinha –, te senti,
– Foi um passo que dei a procurar-te,
– Primeiro passo na ascenção p’ra ti!
… Como alguém que subisse a grande altura
E aos poucos fôsse p’ra tocar os céus…
– Que as almas sobem pela formosura,
– Ao Monsalvato onde floresce Deus.
– Deslumbramentos , emoção, bondade,
Foram degraus nesta ascenção de Amor,
– E as lágrimas – que toda a claridade,
– Toda a Vitória é ganha pela Dôr…
Há quanto tempo estava à tua espera?
Que saudosa emoção de uma outra vida,
Me ensinava a esperar a Primavera,
Sentindo a Primavera em mim florida?
Sabes, – mãezinha? – como a flor existe
Na semente que sonha, a germinar,
E a alegria maior num olhar triste,
– Porque ser triste é um modo de chorar;
Como o som no cristal, ansiosamente,
Espera que o libertem, e o granito
Sonha a libertação em luz ardente,
Na instantánea visão dum infinito;
– Assim, mãezinha, – a tua formosura
Desde o Princípio vive em minha vida,
E em ti floresce a minha vida pura,
Em perfeição e harmonia unjida…
Assim já noutras vidas pressentimos
Esta Vida-Maior que oje vivemos.
Já neste Amor outras paisagens vimos,
E outras dores puríssimas sofremos…
Já nos beijámos em crepúsc’los de oiro,
Nos confundimos num etéreo abraço!
– Fomos jóias, – Amor –, de igual tesoiro,
– Fomos luz e visão no mesmo espaço,
Fomos seiva num tronco aureolado
Em luz d névoa, em bênção de arrebol,
E o nosso Amor andou transfigurado,
Em beijos de oiro, em luz fecunda, em sol!
Tudo palpita em nós, tudo rodeia
O nosso Amor, – tudo êste Amor nos diz!
– E se quero cinjir a própria ideia,
– Nem eu compreendo como sou feliz!
Coimbra, Janeiro de 1910
In Revista “A Águia”
N.º 2 – 1.ª Série – Ano I – de 15 de Dezembro de 1910
Augusto Casimiro
1889 – 1967
MANTEM A GRAFIA DA ORIGEM
. Mais poesia em
. Eu li...
. Recordando... Augusto Cas...