WORDS, WORDS...
Ao Guedes Teixeira
Contam que em pequenino costumava,
Ao ver-me num cristal reproduzido,
Beijar a própria boca, em que julgava
Ver a boca de alguém desconhecido
Cresci. Amei-a. E tão alheio andava,
No sonho por seus olhos promovido,
Que em vez de cartas que ela me enviava,
Eu lia o que trazia no sentido...
Rodou o tempo. Estou doente e velho...
Agora, se me acerco dum espelho...
Oh meus cabelos, noto que alvejais...
E as cartas dela, se as releio agora,
Só vejo por aquelas linhas fora
Palavras e palavras... Nada mais!
In “Versos” [1898]
Ulmeiro - 1981
Augusto Gil
(1873-1929)
O TEMPO VIVE
O tempo vive, quando os homens, nele,
se esquecem de si mesmos,
ficando, embora, a contemplar o estreme
reduto de estar sendo.
O tempo vive a refrescar a sede
dos animais e do vento,
quando a estrutura estremece
a dura escuridão que, desde dentro,
irrompe. E fica com o uivo agreste
espantando o seu estrondo de silêncio.
In "Sobre os Mortos”
Edições Afrontamento
Fernando Echevarría
(N. 1929)
ABRIL DE ABRIL
Era um Abril de amigo Abril de trigo
Abril de trevo e trégua e vinho e húmus
Abril de novos ritmos novos rumos.
Era um Abril comigo Abril contigo
ainda só ardor e sem ardil
Abril sem adjectivo Abril de Abril.
Era um Abril na praça Abril de massas
era um Abril na rua Abril a rodos
Abril de sol que nasce para todos.
Abril de vinho e sonho em nossas taças
era um Abril de clava Abril em acto
em mil novecentos e setenta e quatro.
Era um Abril viril Abril tão bravo
Abril de boca a abrir-se Abril palavra
esse Abril em que Abril se libertava.
Era um Abril de clava Abril de cravo
Abril de mão na mão e sem fantasmas
esse Abril em que Abril floriu nas armas.
In “30 Anos de Poesia”
Publicações Dom Quixote
Manuel Alegre
N.1936
POESIA DE AMOR
Vieram as aves negras em teu nome,
Secas folhas de plátano e de tília...
Amargamente, a fonte segredou-me
Tudo quanto eu sabia
Da sorte de Marília;
E que Dirceu
Poderei ser eu
- Tão infeliz! - nesta prisão sombria.
Ausente embora, continuo
A endereçar-te mil endechas.
Não sei mais nada: sei amor. Assim destruiu,
Pela canção doentia
Coloração das minhas queixas.
Bárbara escrava?
Que me importava?
Além do amor, o meu amor quer melodia.
Cantei às flores do pinho, verde e vivo;
Cantei nas margens verdes das ribeiras.
- Quando hás-de ver que foste só motivo
Para falsas canções tão verdadeiras?
In “Tempestade de Verão”
Guimarães Editores
David Mourão-Ferreira
1927 – 1996
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