Domingo, 28 de Junho de 2009

Recordando... Fernando Pessoa

O MOSTRENGO

O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: “Quem é que ousou entrar
nas minhas cavernas que não desvendo,
meus tectos negros do fim do Mundo?”
E o homem do leme disse, tremendo:
“El-Rei D. João Segundo!”

 

“De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?”
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso.
“Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?”
E o homem do leme tremeu, e disse:
“El-Rei D. João Segundo!”

 

Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes;
“Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um Povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!”

 

 

09-09-1918

 

In “Mensagem”

Colecção Autores Portugueses de Ontem 2 – Junho/90

Estante Editora

 

Fernando Pessoa

1888 – 1935

 

 

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Sábado, 20 de Junho de 2009

Recordando... Fernando Pessoa

NÃO SEI SE É SONHO, SE REALIDADE

 

Não sei se é sonho, se realidade,

Se uma mistura de sonho e vida,

Aquela terra de suavidade

Que na ilha extrema de sul se olvida.

É a que ansiamos. Ali, ali

A vida é jovem e o amor sorri.

 

Talvez palmares inexistentes,

Áleas longínquas sem poder ser,

Sombra ou sossego dêem aos crentes

De que essa terra se pode ter.

Felizes, nós? Ah, talvez, talvez,

Naquela terra, daquela vez.

 

Mas já sonhada se desvirtua,

Só de pensá-la cansou pensar,

Sob os palmares, à luz da Lua,

Sente-se o frio de haver luar.

Ah, nesta terra também, também

O mal não cessa, não dura o bem.

 

Não é com ilhas do fim do mundo,

Nem com palmares de sonho ou não,

Que cura a alma seu mal profundo,

Que o bem nos entra no coração.

É em nós que é tudo. É ali, ali,

Que a vida é jovem e o amor sorri.

 

 

In “Cancioneiro – Fernando Pessoa – Antologia Poética”

3ª. Edição – Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses

Editora Ulisses

 

Fernando Pessoa

1888 – 1935

 

 

 

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Sexta-feira, 12 de Junho de 2009

Recordando... Fernando Pessoa

ELA CANTA, POBRE CEIFEIRA

 

Ela canta, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anónima viuvez,

 

Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.

 

Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões p’ra cantar que a vida.

 

Ah, canta, canta sem razão!
O que em mim sente 'stá pensando.
Derrama no meu coração

A tua incerta voz ondeando!

 

Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso! Ó céu!
Ó campo! Ó canção! A ciência

 

Pesa tanto e a vida é tão breve!
Entrai por mim dentro! Tornai
Minha alma a vossa sombra leve!
Depois, levando-me passai!

 

 

05/08/1921

 

In “Cancioneiro – Fernando Pessoa – Antologia Poética”

3ª. Edição – Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses

Editora Ulisses

 

Fernando Pessoa

1888 – 1935

 

 

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Quinta-feira, 4 de Junho de 2009

Recordando... Fernando Pessoa

INTERVALO

 

Quem te disse ao ouvido esse segredo
Que raras deusas têm escutado –
Aquele amor cheio de crença e medo
Que é verdadeiro só se é segredado?...
Quem te disse tão cedo?  

 

Não fui eu, que te não ousei dizê-lo.
Não foi um outro, porque o não sabia.
Mas quem roçou da testa teu cabelo
E te disse ao ouvido o que sentia?
Seria alguém, seria?

 

Ou foi só que o sonhaste e eu te o sonhei?
Foi só qualquer ciúme meu de ti
Que o supôs dito, porque o não direi,
Que o supôs feito, porque o só fingi
Em sonhos que nem sei?  

 

Seja o que for, quem foi que levemente,
A teu ouvido vagamente atento,
Te falou desse amor em mim presente
Mas que não passa do meu pensamento
Que anseia e que não sente?  

 

Foi um desejo que, sem corpo ou boca,
A teus ouvidos de eu sonhar-te disse
A frase eterna, imerecida e louca –
A que as deusas esperam da ledice
Com que o Olimpo se apouca.  

 

 

In “Cancioneiro – Fernando Pessoa – Antologia Poética”

3ª. Edição – Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses

Editora Ulisses

 

Fernando Pessoa

1888 – 1935

 

 

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Segunda-feira, 8 de Dezembro de 2008

Recordando... Poetas e o Natal... Fernando Pessoa

CHOVE. É DIA DE NATAL

 

Chove. É dia de Natal.

Lá para o Norte é melhor:

Há a neve que faz mal,

E o frio que ainda é pior.

 

E toda a gente é contente

Porque é dia de o ficar.

Chove no Natal presente.

Antes isso que nevar.

 

Pois apesar de ser esse

O Natal da convenção,

Quando o corpo me arrefece

Tenho frio e Natal não.

 

Deixo sentir a quem quadra

E o Natal a quem o fez,

Pois se escrevo ainda outra quadra

Fico gelado dos pés.                

 

 

In “Obra Poética”

 

Fernando Pessoa

1888 – 1935

 

 

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Sábado, 28 de Junho de 2008

Recordando... O poeta Fernando Pessoa e seus heterónimos

Ó SINO DA MINHA ALDEIA

 

Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma.

 

E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.

 

Por mais que me tanjas perto,
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho,
Soas-me na alma distante.

 

A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,  
Sinto a saudade mais perto.

 

 

In "Cancioneiro – Fernando Pessoa – Antologia Poética”

 3ª. Edição – Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses

Editora Ulisses

 

Fernando Pessoa

1888 – 1935

 

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Sexta-feira, 20 de Junho de 2008

Recordando... O poeta Fernando Pessoa e seus heterónimos

TUDO QUE FAÇO OU MEDITO

 

 

Tudo o que faço ou medito

Fica sempre na metade.

Querendo, quero o infinito

Fazendo, nada é verdade.

 

 

Que nojo de mim me fica

Ao olhar para o que faço!

Minha alma é lúcida e rica,

E eu sou um mar de sargaço –

 

 

Um mar onde bóiam lentos

Fragmentos de um mar de além…

Vontades ou pensamentos?

Não o sei e sei-o bem.

 

 

13/9/1933

 

In “Cancioneiro – Obra Poética”

 

Fernando Pessoa

1888 – 1935

 

 

 

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Quinta-feira, 12 de Junho de 2008

Recordando... O poeta Fernando Pessoa e seus heterónimos

 

VENHO DE LONGE E TRAGO NO PERFIL

 

Venho de longe e trago no perfil,
Em forma nevoenta e afastada,
O perfil de outro ser que desagrada
Ao meu actual recorte humano e vil.

 

Outrora fui talvez, não Boabdil,
Mas o seu mero último olhar, da estrada
Dado ao deixado vulto de Granada,
Recorte frio sob o unido anil...

 

Hoje sou a saudade imperial
Do que já na distância de mim vi...
Eu próprio sou aquilo que perdi...

 

E nesta estrada para Desigual
Florem em esguia glória marginal
Os girassóis do império que morri...

 

In “Passos da Cruz” –  Poesias

 

Fernando Pessoa

1888 – 1923
 

 

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Quarta-feira, 4 de Junho de 2008

Recordando... O poeta Fernando Pessoa e seus heterónimos

A ARANHA

 

 

A aranha do meu destino
Faz teias de eu não pensar.
Não soube o que era em menino,
Sou adulto sem o achar.
É que a teia, de espalhada
Apanhou-me o querer ir...
Sou uma vida baloiçada
Na consciência de existir.
A aranha da minha sorte
Faz teia de muro a muro...
Sou  presa do meu suporte.

 

 

In “Poesias Inéditas”

 

Fernando Pessoa

1888 – 1935
 

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Sexta-feira, 22 de Fevereiro de 2008

Recordando... Poetas que deram "voz" ao Porto... Fernando Pessoa

 

 

INFANTE D. HENRIQUE

 

 

Em seu trono entre o brilho das esferas,

Com seu manto de noite e solidão,

Tem aos pés o mar novo e as mortas eras –

O único imperador que tem, deveras,

O globo mundo em sua mão.

 

26/09/1928

 

In “Mensagem” – 2ª. Edição – Estante Editora

 

Fernando Pessoa

1888 – 1935

 

 

 

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