ÚLTIMAS VONTADES
Na branca praia, hoje deserta e fria,
De que se gosta mais do que de gente,
Na branca praia, onde te vi um dia
para sonhar, já tarde, eternamente,
Achei (ia jurá-lo!) à nossa espera,
Intacto o rasto dos antigos passos,
Aquela praia, inamovível, era
Espelho de pés leves, depois lassos!
E doravante, imploro, em testamento,
Que, nesta areia, a espuma seja a tiara
Do meu cadáver, preso ao teu e ao vento...
- Vaivém sexual, que o mar lega aos defuntos? -
Se em vida, agora, tudo nos separa
Ó meu amor, apodreçamos juntos!
In "Ecce homo" – 1974
Pedro Homem de Mello
(1904-1984)
A ORAÇÃO DA MALCASADA
Escutai naquela cama
A oração da mal-casada!
Dir-se-ia a última chama
Que ainda não foi apagada…
Nem se move.
Nem respira.
Não vá a carne acordar!
Amor?
- Já não há mentira…
Noite?
- Já não há luar…
E mais negra de hora a hora
(Negra ou branca, branca e fria?)
É em silêncio que chora
A sua monotonia…
In ”Eu desci aos infernos” - 1972
Pedro Homem de Mello
(1904-1984)
MATER DOLOROSA
A Mãe do Poeta chora
E a sua canção inquieta
Parece pedir perdão
Aos homens sem coração
Por ter um filho Poeta...
Na praia, em pequeno, um dia
Meteu-se à onda bravia
Que, à das águas, trazia
Um peixe cor do luar...
Mas a onda fez-se mansa.
Teve dó dessa criança
Cujo crime era sonhar!
Certa noite, à sua porta,
Vieram cantar os Reis
– Ai! a de branco! a de branco!
Fulvo cabelo aos anéis...
Flor, entre os dedos, singela...
E ele, então, logo perdido,
Foi pela rua, atrás dela.
No rastro do seu vestido...
Aos vinte anos, cismador,
Esqueceu que havia as Sortes.
Magrinho, falho de cor...
Por isso, os mais, que eram fortes
(Os que tinham ido às Sortes!)
Lhe chamam desertor.
Em tardes de romaria,
Todo o mundo o viu bailar!
Quando o seu corpo bulia,
Subiam torres ao ar...
Por fim, calava-se a dança.
E ele, de novo, a criança,
Que a onda brava, depois mansa,
Recolhera no caminho...
Formou-se em Doutor de Leis.
Que pode a idade e os estudos?
Seus olhos ficaram mudos
À letra fria das leis.
Seus olhos só viam dança...
Se ainda era a mesma criança
Que ouvira cantar os Reis!
E a mãe do Poeta chora.
E a sua canção inquieta,
Perece pedir perdão
Aos homens sem coração
Por ter um filho Poeta..
In "Bodas Vermelhas"
Editorial Domingos Barreira.
Pedro Homem de Mello
(1904 -1984)
REVELAÇÃO
Tinha quarenta e cinco... e eu, dezasseis...
Na minha fronte, indómitos anéis
Vinham da infância, saltitando ainda.
Contavam dela: — Já falou a reis!
Tinha quarenta e cinco... e eu, dezasseis...
Formosa? Não. Mais que formosa: linda.
Seu olhar diz: Seja o que o Amor quiser
A verdade planta que os meus dedos tomem!
Pela última vez foste mulher...
E eu, pela vez primeira, fui um homem!
Pedro Homem de Mello
(1904-1984)
FONTE
Meu amor diz-me o teu nome
- Nome que desaprendi...
Diz-me apenas o teu nome.
Nada mais quero de ti.
Diz-me apenas se em teus olhos
Minhas lágrimas não vi,
Se era noite nos teus olhos,
Só porque passei por ti!
Depois, calaram-se os versos
- Versos que desaprendi...
E nasceram outros versos
Que me afastaram de ti.
Meu amor, diz-me o teu nome.
Alumia o meu ouvido.
Diz-me apenas o teu nome,
Antes que eu rasgue estes versos,
Como quem rasga um vestido!
In "Poemas escolhidos"
INCM - Imprensa Nacional-Casa da Moeda
Pedro Homem de Mello
(1904-1984)
WESTMINSTER
Westminster - catedral fria
Como todas as igrejas protestantes,
Onde um relógio avalia
Pelas horas os instantes.
Em redor falta-me tudo
Que inspire a nossa oração.
Corpo de pedra desnudo?
Os olhos cobrem-no em vão!
Como dobrar o joelho?
Tanta imagem sem altar!
E quanto cravo vermelho
Ficará por desfolhar!
Rezarei?
Logo se esquiva
Minha alma
A ir para a frente...
Debaixo de cada ogiva,
Falta-me o chão,
De repente!
In “Cartas de Inglaterra”
Lello & Irmão Editores
Pedro Homem de Mello
(1904-1984)
NOSTALGIA
Tinha saudades do fato
De hora a hora, roto e sujo,
A que esse andar de marujo
Dava jeitos de retrato.
De certos modos grosseiros
E bruscos, tinha saudade
E daqueles companheiros
Rudes, maus, mas verdadeiros
Como a sua mocidade.
Saudades do tempo incerto
Sem livros, sem oficina.
Em que o mundo era uma esquina
Hoje longe, amanhã perto…
Daquela música triste
Que só da sombra nos chama…
Existe a paixão? Existe.
E há leitos de urze e de lama…
Olhos vítreos de cansaço?
Mão pesada? Negras unhas?
Mas que paz naquele abraço.
Noite alta, sem testemunhas!
In “Miserere” – 1948
Editora Portugália
Pedro Homem de Mello
1904 – 1984
POVO
Povo que lavas no rio
Que vais às feiras e à tenda
Que talhas com teu machado
As tábuas do meu caixão,
Há-de haver quem te defenda,
Quem turve o teu ar sadio,
Quem compre o teu chão sagrado,
Mas a tua vida não!
Meu cravo branco na orelha!
Minha camélia vermelha!
Meu verde manjericão!
Ó natureza vadia!
Vejo uma fotografia...
Mas a tua vida, não!
Fui ter à mesa redonda,
Beber em malga que esconda
Um beijo, de mão em mão...
Água pura, fruto agreste,
Fora o vinho que me deste,
Mas a tua vida não!
Procissões de praia e monte,
Areais, píncaros, passos
Atrás dos quais os meus vão!
Que é dos cântaros da fonte?
Guardo o jeito desses braços...
Mas a tua vida, não!
Aromas de urze e de lama!
Dormi com eles na cama...
Tive a mesma condição.
Bruxas e lobas, estrelas!
Tive o dom de conhecê-las...
Mas a tua vida, não!
Subi às frias montanhas,
Pelas veredas estranhas
Onde os meus olhos estão.
Rasguei certo corpo ao meio...
Vi certa curva em teu seios...
Mas a tua vida, não!
Só tu! Só tu és verdade!
Quando o remorso me invade
E me leva à confissão...
Povo! Povo! eu te pertenço.
Deste-me alturas de incenso.
Mas a tua vida, não!
In “Miserere” – 1948
Editora Portugália
Pedro Homem de Mello
1904 – 1984
HINO AO PORTO
Cidade em que as burguesas vão à missa
Vestidas de vermelho carmesim.
Em vão, a luz, sobre elas, se espreguiça...
(As mães, pelo caminho, ao vir da missa
Proíbem-lhes os bancos do jardim...)
Não há fidalgos hoje. Há comerciantes.
É deles todo o ar que se respira!
Noites sem flor, sem luz, sem estudantes
E sem guitarras e sem mentira!
Para sentir o mar, o rio eterno
Cava, connosco, a rocha que dormia
E deita-se connosco, na alegria
De imaginar o céu, calcando o inferno.
Na rua escura as lojas de oiro e pano
São pedras frias, frígidas mas quietas.
Ó frios mercadores de oiro e pano
Porto! Mercado frio e desumano...
E no entanto ali é que há Poetas!
Lutar! – é o verbo. – Não morrer – é a vida.
Mas em surgindo a morte, que na estrada
Os ombros verguem sob a urna pesada
E seja lenta a hora da partida!
Noites sem luz, sem mel, sem fantasia!
Noites sem estudantes e sem flor!
Porto! – cidade pulmonar e fria
Que tens a força de negar ao dia
A medicina do amor!
In “Bodas Vermelhas”
Porto Editora – 1979 – 3.ª edição
Pedro Homem de Mello
1904 – 1984
MIRAGAIA
Aqui, onde esta noite nunca cessa,
Foi Miragaia a minha Madragoa.
Aqui, em frente ao rio, oiço a promessa
Do mar que ajoelha, enquanto me atordoa.
Aqui, sei onde sangra o lábio oculto.
De quem me vê, até de olhos fechados!
E, como os cegos, reconheço um vulto,
Pelo roçar dos dedos namorados...
Deviam chamar Pedro, em vez de Porto,
Ao burgo, se é tal qual do meu tamanho!
Aqui
Nasci,
Porém nasci já morto,
Imóvel, surdo, triste, mudo, estranho...
Deu-me Deus ele, apenas, por amigo.
Deitamo-nos, cismando, lado a lado...
Seu corpo, rijo e nu, dorme comigo.
Mas fico, entre os seus braços, acordado!
In “Poesias Escolhidas”
Imprensa Nacional – Casa da Moeda
Pedro Homem de Mello
1904 – 1984
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