PARA AS RAPARIGAS DE COIMBRA
Tristezas têm-nas os montes
Tristezas têm-nas o Céu
Tristezas têm-nas as fontes,
Tristezas tenho-as eu!
Ó choupo magro e velhinho,
Corcundinha, todo aos nós:
És tal qual meu avozinho,
Falta-te apenas a voz.
Minha capa vos acoite
Que é pra vos agasalhar:
Se por fora é cor da noite,
Por dentro é cor do luar...
Ó sinos de Santa Clara,
Por quem dobrais, quem morreu?
Ah, foi-se a mais linda cara
Que houve debaixo do céu!
A sereia é muito arisca,
Pescador, que estás ao sol:
Não cai, tolinho, a essa isca...
Só pondo uma flor no anzol!
Lua é a hóstia branquinha,
Onde está Nosso Senhor:
É duma certa farinha
Que não apanha bolor.
Vou a encher a bilha e trago-a
Vazia como a levei!
Mondego, qu'é da tua água?
Qu'é dos prantos que eu chorei?
No Inverno não tens fadigas
E tens água para leões|!
Mondego das raparigas,
Estudantes e violões!
- É só porque o mundo zomba
Que pões luto? Importa lá!
Antes te vistas de pomba...
- Pombas pretas também há!
Teresinhas! Ursulinas!
Tardes de novena, adeus!
Os corações às batinas
Que diriam? Sabe-o Deus...
Ó boca dos meus desejos,
Onde o padre não pôs sal,
São morangos os teus beijos,
Melhores que os do Choupal
Manoel no Pio repoisa,
Todas as tardes, lá vou
Ver se quer alguma coisa,
Perguntar como passou.
Agora, são tudo amores
À roda de mim, no cais,
E, mal se apanham doutores,
Partem e não voltam mais...
Aos olhos da minha fronte
Vinde os cântaros encher:
Não há, assim, segunda fonte
Com duas bicas a correr!
Os teus peitos são dois ninhos
Muito brancos, muito novos,
Meus beijos os passarinhos
Mortinhos por porem ovos.
Nossa Senhora faz meia
Com linha feita de luz:
O novelo é a lua cheia,
As meias são pra Jesus.
Meu violão é um cortiço,
Tem por abelhas os sons
Que fabricam, valha-me isso,
Fadinhos de mel, tão bons...
Ó fogueiras, ó cantigas,
Saudades! Recordações!
Bailai, bailai, raparigas!
Batei, batei, corações!
Coimbra, 1890
Canção da Felicidade
In ” Só” – Fev.1989
Estante Editora
António Nobre
(1867 - 1900)
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