O CANTO DA TERRA
Tu que renasces da boca da terra
magia nua da inocência aberta nos dedos
que prolonga a ferida que se faz carne
e onde a água cintila de ingénuos aromas
propagando embriões numa concha redonda
e onde os homens farejam a vida inteira
escutando o silêncio sibilante dos astros roxos
e onde o orvalho abre o sexo da noite
esquecendo a morte agasalhada em asas.
Tu a continua fonte entre as ervas rebeldes
gemendo como magnólias acesas pela madrugada
que já não se separa da incessante metamorfose
e onde a lisura delira na suave fluidez animal
o sangue cheio de fêmeas grandiosamente abertas
e onde com o fogo lânguido se envolve a terra
como os amantes de pálpebras ainda adolescentes
e onde o som deles sufoca a construção do corpo
cantando o linho agudo com um feixe de vida.
Mulheres correndo a terra com crinas brancas
fogos de antimónio que ultrapassam o sol
uma constelação antiga ardente como sexos
unindo a ferocidade das palavras ao inebriado da boca
que da semente da terra nascerá a fêmea azul
ela mesma um mapa fruto uma flor da terra.
In “A revisitação dos lúzios” (inédito)
João Rasteiro
(N.1965)
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