MEMÓRIA
Ora isto, Senhores, deu-se em Trás-os-Montes,
Em terras de Borba, com torres e pontes.
Português antigo, do tempo da guerra,
Levou-o o Destino pra longe da terra.
Passaram os anos, a Borba voltou,
Que linda menina que, um dia, encontrou!
Que lindas fidalgas e que olhos castanhos!
E, um dia, na Igreja correram os banhos.
Mais tarde, debaixo dum signo mofino,
Pela lua nova, nasceu um menino.
Ó mães dos poetas! sorrindo em seu quarto,
Que são virgens antes e depois do parto!
Num berço de prata, dormia deitado,
Três moiras vieram dizer-lhe o seu fado
(E abria o menino seus olhos tão doces):
«Serás um Príncipe! mas antes... não fosses.»
Sucede, no entanto, que o Outono veio
E, um dia, ela resolve ir dar um passeio.
Calçou as sandálias, toucou-se de flores,
Vestiu-se de Nossa Senhora das Dores:
«Vou ali adiante, à Cova, em berlinda,
António e já volto...» E não voltou ainda!
Vai o esposo, vendo que ela não voltava,
Vai lá ter com ela, por lá se quedava.
Ó homem egrégio! de estirpe divina,
De alma de bronze e coração de menina!
Em vão corri mundos, não vos encontrei
Por vales que fora, por eles voltei.
E assim se criou um anjo, o Diabo, a lua;
Ai corre o seu fado! a culpa não é tua!
Sempre é agradável ter um filho Virgílio,
Ouvi estes carmes que eu compus no exílio,
Ouvi-os vós todos, meus bons Portugueses!
Pelo cair das folhas, o melhor dos meses,
Mas, tende cautela, não vos faça mal...
Que é o livro mais triste que há em Portugal!
In “SÓ”
Estante Editora
António Nobre
1867 – 1900
NA PRAIA LÁ DA BOA NOVA
Na praia lá da Boa Nova, um dia,
Edifiquei (foi esse o grande mal)
Alto castelo, o que é a fantasia,
Todo de lápis-lazúli e coral!
Naquelas redondezas não havia
Quem se gabasse dum domínio igual:
Oh, castelo tão alto! parecia
O território dum senhor feudal!
Um dia (não sei quando, nem sei donde)
Um vento seco de deserto e spleen
Deitou por terra, ao pó que tudo esconde,
O meu condado, o meu condado, sim!
Porque eu já fui um poderoso conde,
Naquela idade em que se é conde assim…
Porto, 1887
In “SÓ” – Sonetos – 3
Estante Editora
António Nobre
1867 – 1900
AO CAIR DAS FOLHAS
Pudessem suas mãos cobrir meu rosto,
Fechar-me os olhos e compor-me o leito,
Quando, sequinho, as mãos em cruz no peito,
Eu me for viajar para o Sol-posto.
De modo que me faça bom encosto,
O travesseiro comporá com jeito,
E eu tão feliz! por não estar afeito,
Hei-de sorrir, Senhor! Quase com gosto.
Até com gosto, sim! Que faz quem vive
Órfão de mimos, viúvo de esperanças,
Solteiro de venturas, que não tive?
Assim, irei dormir com as crianças
Quase como elas, quase sem pecados...
E acabarão enfim os meus cuidados.
Clavadel, Outubro, 1895
(Este poema é dedicado a sua irmã Maria da Glória)
António Nobre
1867 – 1900
O SONO DO JOÃO
O João dorme... (Ó Maria, Deixa-o dormir, até ser
Dize àquela cotovia Um velhinho... até morrer!
Que fale mais devagar:
Não vá, o João, acordar...) E tu vê-lo-ás crescendo
A teu lado (estou-o vendo
João! que rapaz tão lindo!)
Tem só um palmo de altura Mas sempre, sempre dormindo...
E nem meio de largura:
Para o amigo orangotango Depois, um dia virá
O João seria... um morango! Que (dormindo) passará
Podia engoli-lo um leão Do berço, onde agora dorme,
Quando nasce! As pombas são Para outro, grande, enorme:
Um poucochinho maiores... E as pombas que eram maiores
Mas os astros são menores! Que João... ficarão menores!
O João dorme... Que regalo! Mas para isso, ó Maria
Deixá-lo dormir, deixá-lo! Dize aquela cotovia
Calai-vos, águas do moinho! Que fale mais devagar:
Ó mar! fala mais baixinho... Não vá, o João, acordar...
E tu, mãe! E tu, Maria!
Pede aquela cotovia E os anos irão passando.
Que fale mais devagar:
Não vá, o João, acordar... Depois, já velhinho, quando
(Serás velhinha também)
O João dorme, o inocente! Perder a cor que, hoje, tem,
Dorme, dorme eternamente, Perder as cores vermelhas
Teu calmo sono profundo! E for cheiinho de engelhas,
Não acordes para o mundo, Morrerá sem o sentir,
Pode levar-te a maré: Isto é, deixa de dormir:
Tu mal sabes o que isto é... Acorda e regressa ao seio
De Deus, que é donde ele veio...
Ó mãe canta-lhe a canção,
Os versos de teu irmão: Mas para isso, ó Maria!
" Na vida que a dor povoa Pede aquela cotovia
Há só uma coisa boa, Que fale mais devagar:
Que é dormir, dormir, dormir...
Tudo vai sem se sentir". Não vá, o João, acordar...
António Nobre
1867 – 1900
In Só – 1891
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