Segunda-feira, 25 de Dezembro de 2023

Recordando... Manuel Alegre  

NATAL

 

Acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.

Era gente a correr pela música acima.

Uma onda uma festa. Palavras a saltar.

 

Eram carpas ou mãos. Um soluço uma rima.

Guitarras guitarras. Ou talvez mar.

E acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.

 

Na tua boca. No teu rosto. No teu corpo acontecia.

No teu ritmo nos teus ritos.

No teu sono nos teus gestos. (Liturgia liturgia).

Nos teus gritos. Nos teus olhos quase aflitos.

E nos silêncios infinitos. Na tua noite e no teu dia.

No teu sol acontecia.

 

Era um sopro. Era um salmo. (Nostalgia nostalgia).

Todo o tempo num só tempo: andamento

de poesia. Era um susto. Ou sobressalto. E acontecia.

Na cidade lavada pela chuva. Em cada curva

acontecia. E em cada acaso. Como um pouco de água turva

na cidade agitada pelo vento.

 

Natal Natal (diziam). E acontecia.

Como se fosse na palavra a rosa brava

acontecia. E era Dezembro que floria.

Era um vulcão. E no teu corpo a flor e a lava.

E era na lava a rosa e a palavra.

Todo o tempo num só tempo: nascimento de poesia.

 

In “Antologia Poética”

 

Manuel Alegre  

(N.1936)

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Domingo, 25 de Dezembro de 2022

Recordando... Norberto Martins

NATAL

 

Na quadra do Natal

Neste nosso Portugal

Em todo o mundo também

É só amor e carinho

Ajuda-se o pobrezinho

Não se esquece ninguém

 

Para familiares e amigos

Os novos e os antigos

Dão-se prendas e presentes

Mas esquece-se em seguida

Continua a ser esquecida

As pessoas doentes

 

É assim em toda a terra

Fazem-se tréguas na guerra

Que acabam no outro dia

Volta o ódio e a vingança

Acabou-se a esperança

Terminou a alegria

 

Ó quanta hipocrisia

E alguma cobardia

No pensamento humano

Carinho e amor no Natal

Mas depois continua o mal

O resto de todo o ano

 

Amar como Jesus amou

Sonhar como ele sonhou

Ajudar o nosso irmão

Diga-mos não à guerra

Para que tenhamos paz na terra

Sem sacrifício nem opressão

 

O Natal deveria ser

E ninguém se esquecer

Todos os dias do ano

Para sempre nos amar

Toda a gente se respeitar

Nisto não há engano

 

In “União dos Escritores e Artistas

Transmontanos e Altodurienses – UNEARTA”

Revista mensal - N.º 13 - Ano 2 - Janeiro 2003

 

Norberto Martins

(Poeta popular)

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Sábado, 25 de Dezembro de 2021

Recordando... José Régio

NATAL

 

Mais uma vez, cá vimos
Festejar o teu novo nascimento,
Nós, que, parece, nos desiludimos
Do teu advento!

Cada vez o teu Reino é menos deste mundo!
Mas vimos, com as mãos cheias dos nossos pomos,
Festejar-te, — do fundo
Da miséria que somos.

Os que à chegada
Te vimos esperar com palmas, frutos, hinos,
Somos — não uma vez, mas cada —
Teus assassinos.

À tua mesa nos sentamos:
Teu sangue e corpo é que nos mata a sede e a fome;
Mas por trinta moedas te entregamos;
E por temor, negamos o teu nome.

Sob escárnios e ultrajes,
Ao vulgo te exibimos, que te aclame;
Te rojamos nas lajes;
Te cravejamos numa cruz infane.

Depois, a mesma cruz, a erguemos,
Como um farol de salvação,
Sobre as cidades em que ferve extremos
A nossa corrupção.

Os que em leilão a arrematamos
Como sagrada peça única,
Somos os que jogamos,
Para comércio, a tua túnica.

Tais somos, os que, por costume,
Vimos, mais uma vez,
Aquecer-nos ao lume
Que do teu frio e solidão nos dês.

Como é que ainda tens a infinita paciência
De voltar, — e te esqueces
De que a nossa indigência
Recusa Tudo que lhe ofereces?

Mas, se um ano tu deixas de nascer,
Se de vez se nos cala a tua voz,
Se enfim por nós desistes de morrer,
Jesus recém-nascido!, o que será de nós?!

In “Obra Completa Poesia”

INCM - Imprensa Nacional Casa da Moeda

 

José Régio **

(1901-1969)

 

** Pseudónimo de José Maria dos Reis Pereira

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Sexta-feira, 25 de Dezembro de 2020

Recordando... Miguel Torga **

NATAL

 

Menino Jesus feliz

Que não cresceste

Nestes oitenta anos!

Que não tiveste

Os desenganos

Que eu tive

De ser homem,

E continuas criança

Nos meus versos

De saudade

Do presépio

Em que também nasci,

E onde me vejo sempre igual a ti.”

 

In “Diário XV”

Coimbra Editora

 

Miguel Torga **

(1907-1995)

 

** Pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha

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Quarta-feira, 25 de Dezembro de 2019

Recordando... Miguel Torga

NATAL

 

Ninguém o viu nascer.

Mas todos acreditam

Que nasceu.

É um menino e é Deus.

Na Páscoa vai morrer, já homem,

Porque entretanto cresceu

E recebeu

A missão singular

De carregar a cruz da nossa redenção.

Agora, nos cueiros da imaginação,

Sorri apenas

A quem vem,

Enquanto a Mãe,

Também

Imaginada,

Com ele ao colo,

Se enternece

E enternece

Os corações,

Cúmplice do milagre, que acontece

Todos os anos e em todas as nações.

 

In “Diários - Volumes XIII a XVI”

Publicações Dom Quixote

 

Miguel Torga **

(1907-1995)

 

** Pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha

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Quinta-feira, 25 de Dezembro de 2014

Recordando... Fernando Pessoa

NATAL

 

Nasce um deus. Outros morrem. A Verdade

Nem veiu nem se foi: o Erro mudou.

Temos agora uma outra Eternidade,

E era sempre melhor o que passou.

 

Cega, a Sciencia a inutil gleba lavra.

Louca, a Fé vive o sonho do seu culto.

Um novo deus é só uma palavra.

Não procures nem creias: tudo é oculto.

 

In “Contemporanea”

Director – José Pacheco

Redactor Principal – Oliveira Mouta

Editor – Agostinho Fernandes

Ano I – Volume II – Nº.6 Ano 1922

Pág. 88

 

Fernando Pessoa

1888 – 1935

 

Mantém a grafia original

 

 

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Domingo, 25 de Dezembro de 2011

Recordando... David Mourão-Ferreira

NATAL, E NÃO DEZEMBRO

 

Entremos, apressados, friorentos,

Numa gruta, no bojo de um navio,

Num presépio, num prédio, num presídio,

No prédio que amanhã for demolido...

Entremos, inseguros, mas entremos.

Entremos, e depressa, em qualquer sítio,

Porque esta noite chama-se Dezembro,

Porque sofremos, porque temos frio.

 

Entremos, dois a dois: somos duzentos,

Duzentos mil, doze milhões de nada.

Procuremos o rastro de uma casa,

A cave, a gruta, o sulco de uma nave...

Entremos, despojados, mas entremos.

De mãos dadas talvez o fogo nasça,

Talvez seja Natal e não Dezembro,

Talvez universal a consoada.    

 

 

In “Cancioneiro do Natal”

(Prémio Nacional de Poesia – 1971)

Edições Rolim – 1986

 

David Mourão-Ferreira

1927 – 1996

 

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Quarta-feira, 24 de Dezembro de 2008

Recordando... Poetas e o Natal... Castro Reis

 

NATAL URGENTE

 

São tantos os Natais que tenho escrito,

Mensagem de Natal p'ra toda a gente!

Que não posso conter este meu grito

De escrever mais este Natal Urgente!...

 

Sinto estalar-me o peito de amargura,

De tanta imagem triste de Natal!

Domina a violência e a loucura

Neste mundo terrível e brutal!...

 

Não há paz, só há guerra, fome e dor,

E os homens não se entendem afinal!

Campeia a morte, o medo e o terror,

Num cortejo de sangue crucial!...

 

O mundo não entende, por maldade,

Que o Natal é – Amor, Fraternidade,

Sempre e em todo o tempo, por igual!...

Que este Natal desperte bem profundo,

E deixem de existir por todo o mundo,

- Assassinos da Paz e do Natal!

 

 

 

Natal de 1992

 

In “Etéreas Sinfonias de Natal”

Edição do Autor

 

Castro Reis

1918 – 2007

 

 

 

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Sábado, 20 de Dezembro de 2008

Recordando... Poetas e o Natal... Miguel Torga

NATAL

 

Outro natal,

Outra comprida noite

De consoada

Fria,

Vazia,

Bonita só de ser imaginada.

 

Que fique dela, ao menos,

Mais um poema breve

Recitado

Pela neve

A cair, ao de leve,

No telhado.         

 

In “Antologia Poética”

 

Miguel Torga

1907 – 1995

 

 

sinto-me: Radiante Sempre...
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Terça-feira, 16 de Dezembro de 2008

Recordando... Poetas e o Natal... Reinaldo Ferreira

NATAL

 

Neste caminho cortado

Entre pureza e pecado

Que chamo vida,

Nesta vertigem de altura

Que me absorve e depura

De tanta queda caída,

É que Tu nasces ainda

Como nasceste

Do ventre da Tua mãe.

Bendita a Tua candura.

Bendita a minha também.

 

Mas se me perco e Te perco,

Quando me afogo no esterco

Do meu destino cumprido,

À hora em que Te rejeito

E sangra e dói no Teu peito

A chaga de eu ter esquecido,

É que Tu jazes por mim

Como jazeste

No colo da Tua mãe.

Bendita a Tua amargura

Bendita a minha também.

 

 

In "Livro III" – Poemas de Natal e da Paixão de Cristo

 

Reinaldo Ferreira

1922 – 1959

 

 

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