NATAL
Menino Jesus feliz
Que não cresceste
Nestes oitenta anos!
Que não tiveste
Os desenganos
Que eu tive
De ser homem,
E continuas criança
Nos meus versos
De saudade
Do presépio
Em que também nasci,
E onde me vejo sempre igual a ti.”
In “Diário XV”
Coimbra Editora
Miguel Torga **
(1907-1995)
** Pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha
NATAL
Ninguém o viu nascer.
Mas todos acreditam
Que nasceu.
É um menino e é Deus.
Na Páscoa vai morrer, já homem,
Porque entretanto cresceu
E recebeu
A missão singular
De carregar a cruz da nossa redenção.
Agora, nos cueiros da imaginação,
Sorri apenas
A quem vem,
Enquanto a Mãe,
Também
Imaginada,
Com ele ao colo,
Se enternece
E enternece
Os corações,
Cúmplice do milagre, que acontece
Todos os anos e em todas as nações.
In “Diários - Volumes XIII a XVI”
Publicações Dom Quixote
Miguel Torga **
(1907-1995)
** Pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha
NATAL
Nasce um deus. Outros morrem. A Verdade
Nem veiu nem se foi: o Erro mudou.
Temos agora uma outra Eternidade,
E era sempre melhor o que passou.
Cega, a Sciencia a inutil gleba lavra.
Louca, a Fé vive o sonho do seu culto.
Um novo deus é só uma palavra.
Não procures nem creias: tudo é oculto.
In “Contemporanea”
Director – José Pacheco
Redactor Principal – Oliveira Mouta
Editor – Agostinho Fernandes
Ano I – Volume II – Nº.6 Ano 1922
Pág. 88
Fernando Pessoa
1888 – 1935
Mantém a grafia original
NATAL, E NÃO DEZEMBRO
Entremos, apressados, friorentos,
Numa gruta, no bojo de um navio,
Num presépio, num prédio, num presídio,
No prédio que amanhã for demolido...
Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos, e depressa, em qualquer sítio,
Porque esta noite chama-se Dezembro,
Porque sofremos, porque temos frio.
Entremos, dois a dois: somos duzentos,
Duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
A cave, a gruta, o sulco de uma nave...
Entremos, despojados, mas entremos.
De mãos dadas talvez o fogo nasça,
Talvez seja Natal e não Dezembro,
Talvez universal a consoada.
In “Cancioneiro do Natal”
(Prémio Nacional de Poesia – 1971)
Edições Rolim – 1986
David Mourão-Ferreira
1927 – 1996
NATAL URGENTE
São tantos os Natais que tenho escrito,
Mensagem de Natal p'ra toda a gente!
Que não posso conter este meu grito
De escrever mais este Natal Urgente!...
Sinto estalar-me o peito de amargura,
De tanta imagem triste de Natal!
Domina a violência e a loucura
Neste mundo terrível e brutal!...
Não há paz, só há guerra, fome e dor,
E os homens não se entendem afinal!
Campeia a morte, o medo e o terror,
Num cortejo de sangue crucial!...
O mundo não entende, por maldade,
Que o Natal é – Amor, Fraternidade,
Sempre e em todo o tempo, por igual!...
Que este Natal desperte bem profundo,
E deixem de existir por todo o mundo,
- Assassinos da Paz e do Natal!
Natal de 1992
In “Etéreas Sinfonias de Natal”
Edição do Autor
Castro Reis
1918 – 2007
NATAL
Outro natal,
Outra comprida noite
De consoada
Fria,
Vazia,
Bonita só de ser imaginada.
Que fique dela, ao menos,
Mais um poema breve
Recitado
Pela neve
A cair, ao de leve,
No telhado.
In “Antologia Poética”
Miguel Torga
1907 – 1995
NATAL
Neste caminho cortado
Entre pureza e pecado
Que chamo vida,
Nesta vertigem de altura
Que me absorve e depura
De tanta queda caída,
É que Tu nasces ainda
Como nasceste
Do ventre da Tua mãe.
Bendita a Tua candura.
Bendita a minha também.
Mas se me perco e Te perco,
Quando me afogo no esterco
Do meu destino cumprido,
À hora em que Te rejeito
E sangra e dói no Teu peito
A chaga de eu ter esquecido,
É que Tu jazes por mim
Como jazeste
No colo da Tua mãe.
Bendita a Tua amargura
Bendita a minha também.
In "Livro III" – Poemas de Natal e da Paixão de Cristo
Reinaldo Ferreira
1922 – 1959
NATAL
Hoje é dia de Natal.
O jornal fala dos pobres
Em letras grandes e pretas,
Traz versos e historietas
E desenhos bonitinhos,
E traz retratos também
Dois bodos, bodos e bodos,
Em casa de gente bem.
Hoje é dia de Natal.
Mas quando será de todos?
In “Obras Completas do Poeta”
Universitária Editora
Sidónio Muralha
1920 – 1982
NATAL DE 1971
Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm?
Dos que não são cristãos?
Ou de quem traz às costas
As cinzas de milhões?
Natal de paz agora
Nesta terra de sangue?
Natal de liberdade
Num mundo de oprimidos?
Natal de uma justiça
Roubada sempre a todos?
Natal de ser-se igual
Em ser-se concebido,
Em de um ventre nascer-se,
Em por de amor sofrer-se,
Em de morte morrer-se,
E de ser-se esquecido?
Natal de caridade,
Quando a fome ainda mata?
Natal de qual esperança
Num mundo todo bombas?
Natal de honesta fé,
Com gente que é traição,
Vil ódio, mesquinhez,
E até Natal de amor?
Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm?
Ou dos que olhando ao longe
Sonham de humana vida
Um mundo que não há?
Ou dos que se torturam
E torturados são
Na crença de que os homens
Devem estender-se a mão?
In “Exorcismos”
Jorge de Sena
1919 – 1978
. Mais poesia em
. Eu li...
. Recordando... Miguel Torg...
. Recordando... Miguel Torg...
. Recordando... Fernando Pe...
. Recordando... David Mourã...
. Recordando... Poetas e o ...
. Recordando... Poetas e o ...
. Recordando... Poetas e o ...
. Recordando... Poetas e o ...
. Recordando... Poetas do S...