NÃO NECESSARIAMENTE UMA PALAVRA
Há versos silenciosos ocultos submersos
no sangue no recato no pudor
há versos que quem os sente fica sem saber
se está doente ou tonto e se o melhor
não será disfarçar para que ninguém
repare na mudança
da fala do andar do gesto
ou até do silêncio.
Um poema infiltra-se. Salta por dentro
rompe todos os diques da convenção
ninguém pode conter um poema
mesmo que seja apenas
uma vogal que de repente fica azul
ou uma consoante que desata a rabiar
ninguém pode conter essa toada
esse tremor de terra que sem que se dê por isso
altera subitamente a vida
e acende nas artérias mais obscuras
não necessariamente uma palavra
mas um fogo submerso
uma espécie de pedra cintilante
um fluxo de lava.
Ainda que se não saiba é já um verso
algo que bate fundo
como a sílaba cantante
do poema do mundo...
In "Doze Naus"
Publicações Dom Quixote
Manuel Alegre
(N.1936)
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