SÚPLICA
Não digas, musa,
Por quantos versos reparti o pranto
Que chorei neste mundo.
Não contes
Os mil segredos que te confiei
Nas horas de abandono.
Não reveles à vida
O amor que lhe tive
E de que foste única confidente.
Perdição consciente,
Que mais ninguém me veja
Nesta triste nudez de sonhador.
Que o teu silêncio seja
O meu pudor.
Coimbra, 10 de Janeiro de 1977
In “Antologia Poética”
Edições Dom Quixote
Miguel Torga **
(1907-1995)
** Pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha
NATAL
Menino Jesus feliz
Que não cresceste
Nestes oitenta anos!
Que não tiveste
Os desenganos
Que eu tive
De ser homem,
E continuas criança
Nos meus versos
De saudade
Do presépio
Em que também nasci,
E onde me vejo sempre igual a ti.”
In “Diário XV”
Coimbra Editora
Miguel Torga **
(1907-1995)
** Pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha
INVERNO
Apagou-se a fogueira.
Que frio na lareira
Do coração!
Neva
Na solidão
Da vida.
E o vento traz e leva
Um recado de eterna despedida.
Amor! Amor!
Sei ainda o teu nome redentor,
Chamo ainda por ti a cada hora!
Arde outra vez em mim
Como ardias outrora,
Nos dias de ventura.
Não me deixes assim
Nesta algidez de morte prematura
Coimbra, 17 de Janeiro de 1978
In “Diário XIII”
Edições Dom Quixote
Miguel Torga **
(1907-1995)
** Pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha
ÚLTIMO NATAL
Menino Jesus, que nasces
Quando eu morro,
E trazes a paz
Que não levo,
O poema que te devo
Desde que te aninhei
No entendimento,
E nunca te paguei
A contento
Da devoção,
Mal entoado,
Aqui te fica mais uma vez
Aos pés,
Como um tição
Apagado,
Sem calor que os aqueça.
Com ele me desobrigo e desengano:
És divino, e eu sou humano,
Não há poesia em mim que te mereça.
In “Antologia Poética”
Edição do Autor - 1981
Miguel Torga **
(1907-1995)
** Pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha
. Mais poesia em
. Eu li...
. Recordando... Miguel Torg...
. Recordando... Miguel Torg...
. Recordando... Miguel Torg...
. Recordando... Miguel Torg...