RECREIO
Na minh'Alma há um balouçopoe
Que está sempre a balouçar -
Balouço à beira dum poço,
Bem difícil de montar...
- E um menino de bibe
Sobre ele sempre a brincar...
Se a corda se parte um dia
(E já vai estando esgarçada),
Era uma vez a folia:
Morre a criança afogada...
- Cá por mim não mudo a corda,
Seria grande estopada...
Se o indez morre, deixá-lo...
Mais vale morrer de bibe
Que de casaca... Deixá-lo
Balouçar-se enquanto vive...
- Mudar a corda era fácil...
Tal ideia nunca tive...
Paris - Outubro 1915
In “Poemas Completos”
Edição Fernando Cabral Martins
Assírio & Alvim
Mário de Sá-Carneiro
(1890-1916)
FIM
Quando eu morrer
Batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes
Façam estalar no ar chicotes
Chamem palhaços e acrobatas.
Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza:
A um morto nada se recusa,
E eu quero por força ir de burro...
In “Athena – Revista de Arte”
N.º 2 - Novembro.1924
Pág. 46
Mário de Sá-Carneiro
(1890-1916)
COMO EU NÃO POSSUO
Olho em volta de mim. Todos possuem —
Um afecto, um sorriso ou um abraço.
Só para mim as ânsias se diluem
E não possuo mesmo quando enlaço.
Roça por mim, em longe, a teoria
Dos espasmos golfados ruivamente;
São êxtases da cor que eu fremiria,
Mas a minh’alma pára e não os sente!
Quero sentir. Não sei… perco-me todo…
Não posso afeiçoar-me nem ser eu:
Falta-me egoísmo para ascender ao céu,
Falta-me unção pra me afundar no lodo.
Não sou amigo de ninguém. Pra o ser
Forçoso me era antes possuir
Quem eu estimasse — ou homem ou mulher,
E eu não logro nunca possuir!…
Castrado de alma e sem saber fixar-me,
Tarde a tarde na minha dor me afundo…
Serei um emigrado doutro mundo
Que nem na minha dor posso encontrar-me?…
Como eu desejo a que ali vai na rua,
Tão ágil, tão agreste, tão de amor…
Como eu quisera emaranhá-la nua,
Bebê-la em espasmos de harmonia e cor!…
Desejo errado… Se a tivera um dia,
Toda sem véus, a carne estilizada
Sob o meu corpo arfando transbordada,
Nem mesmo assim — ó ânsia! — eu a teria…
Eu vibraria só agonizante
Sobre o seu corpo de êxtases doirados,
Se fosse aqueles seios transtornados,
Se fosse aquele sexo aglutinante…
De embate ao meu amor todo me ruo,
E vejo-me em destroço até vencendo:
É que eu teria só, sentindo e sendo
Aquilo que estrebucho e não possuo.
in “Dispersão”
Editorial Presença
Mário de Sá-Carneiro
(1890-1916)
ANTO
Caprichos de lilás, febres esguias,
Enlevos de ópio — Íris-abandono...
Saudades de luar, timbre de Outono,
Cristal de essências langues, fugidias...
O pajem débil das ternuras de cetim,
O friorento das carícias magoadas;
O príncipe das Ilhas transtornadas —
Senhor feudal das Torres de marfim...
(Indícios de Ouro – 1915)
In “Signos”
Lisboa Editora
Mário de Sá-Carneiro
1890 – 1916
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