O SÍTIO EM VISTA
Trazem as árvores insignificantes
o maior distúrbio aos ventos; arredam-nos,
alçam outros armazéns sonoros
casas de relâmpagos e de cataclismos.
Chega-se. Parte-se. Segreda-se
de seres indeterminados que movem
resistência. Pelejam mais.
E quando a sua pele se usa vence
a moda, mudança de uma árvore para a mundanal
outra árvore carregada.
Podem aliás irromper quentes florestas.
Abate-se sobre o lenhador a opulência, o triunfo
do fruto desenvolvido no seu trono
iluminado por quatro archotes de seiva.
Há no mundo inteiro uma, quando muito, rua
difícil de encontrar.
São os campos, gente humílima, absorta em grãos
de areia, praia inequívoca onde,
na estação tardia, os do mar se deitam.
Algumas folhas, de livros, assinalam o ponto.
Algumas cartas, de marear,
não chegam.
Criaturas que se reproduziam em interstícios
que se deitavam em divãs
cada vez mais estreitos
a luminosa vocação, a luminosidade
de uma terra sábia e rotunda
suplantava aqueles gritos portadores
de uma defunta órfica voz
Eram as criaturas presas,
do seu século
retraídas nos olhos mal afeiçoados
Filhos mais velhos a atentarem
em como o corpo incha e se perfaz a polpa
como o limite se delimita corpo a corpo
e engorda
Cobriam-se as folhas de uma letra hirsuta
e os mais novos sorriam como lábios.
(Os Sítios Sitiados)
In “Poesia”
Organização e prefácio de Fernando Cabral Martins
Assírio & Alvim 2ª edição
Luiza Neto Jorge
(1939-1989)
BALADA APÓCRIFA
Olhai os lírios do campo
meninas de saia rodada
íris de teias de aranha
desvendam o mar nas searas
olhai os lírios do campo
em copos de limonada
Os soldados em manobras
enterram a sombra caiada
(Bebei os lírios de água
com grandes bicos de aves)
Sofreram sempre derrota
deixaram mãos enforcadas
em lençóis com clarins
grades de pernas doada
Olhai os lírios do campo
meninas virgens por dentro
Os soldados em manobras
têm noite por espingarda
Colhei os lírios do corpo
meninas de saia travada.
In “Poesia 1960-1989”
Assírio & Alvim
Luiza Neto Jorge
(1939-1989)
MINIBIOGRAFIA
Não me quero com o tempo nem com a moda
Olho como um deus para tudo de alto
Mas zás! do motor corpo o mau ressalto
Me faz a todo o passo errar a coda.
Porque envelheço, adoeço, esqueço
Quanto a vida é gesto e amor é foda;
Diferente me concebo e só do avesso
O formato mulher se me acomoda.
E se a nave vier do fundo espaço
Cedo raptar-me, assassinar-me, cedo:
Logo me leve, subirei sem medo
À cena do mais árduo e do mais escasso.
Um poema deixo, ao retardador:
Meia palavra a bom entendedor.
In "Poesia"
Organização e prefácio de Fernando Cabral Martins
Assírio & Alvim – 2001
Luiza Neto Jorge
1939 – 1989
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