MANHÃ
- Bom dia. Diz-me um guarda.
Eu não ouço...apenas olho
das chaves o grande molho
parindo um riso na farda.
Vómito insuportável de ironia
Bom dia, porquê bom dia?
Olhe, senhor guarda
(no fundo a minha boca rugia)
aqui é noite, ninguém mora,
deite esse bom dia lá fora
porque lá fora é que é dia!
In “Noite de Pedra”
Luís Veiga Leitão **
(1912-1987)
** Pseudónimo de Luís Maria Leitão
CORREDOR
Cem metros à sombra – temperatura
de tantos corpos e almas em rodagem.
neste muro cercado, a maior viagem
sob um céu de pedra escura.
Sombras em fila, espectros talvez,
desplantam ecos da raiz do chão.
Lembram comboios que vêm e vão
sob túneis de pez.
E vêm e vão com pés humanos
ressoando movimentos tardos,
levando fardos, trazendo fardos
das horas sem dias e meses sem anos.
E vêm e vão, sempre, sempre a rodar
na linha dos railes espectrais,
sem descarregadores na gare,
sem guindastes no cais.
E vêm e vão pela via larga
das redes do sonho e da lembrança,
levando a carga, trazendo a carga
de toneladas de esperança.
In “Surrealismo Abjeccionismo”
Antologia organizada por Mário Cesariny
Edições Salamandra
Luís Veiga Leitão **
(1912-1987)
** Pseudónimo de Luís Maria Leitão
CARTA
Lanço as palavras ao papel
como pescador calmo
lança os barcos ao rio.
Só no fundo, no fundo inviolado,
contraio e espalmo
as minhas mãos, mãos de afogado
morrendo à sede.
- Meu amor estou bem -
Quando te escrevo,
ponho os olhos no teu retrato
pendurado nos ferros da minha cama
para que as palavras tenham o sabor exacto
de quem me ouve,
de quem me fala,
de quem me chama.
«Meu amor estou bem»
Ontem vi a Primavera
numa flor cortada dos jardins.
Hoje, tenho nos ombros uma pedra
e um punhal nos rins.
«Meu amor estou bem»
Se a morte vier, querida amiga,
à minha beira, sem ninguém,
hei-de pedir-lhe que te diga:
«Meu amor estou bem»
In “Longo Caminho Breve”
Imprensa Nacional-Casa da Moeda – 1985
Luís Veiga Leitão **
1912 – 1987
** Pseudónimo de Luís Maria Leitão
A PEDRA
Rugosa dureza que respiro
cerrado silêncio
rastro das nuvens que partiram
quartzo das montanhas da Nave
xisto azul dos montes Dúrios
- Pedras machos me pariram
Partido e repartido sob linhas férreas
no forro a côdea do sol e o salário
dos passos ingénuos, degraus de vinhas
e suor e sonho de maltas que saibraram
as entranhas do fogo e as vísceras do mar.
- Pedras fêmeas me criaram
Minha cidade de funduras compacta
granitos «dente de cavalo» entre os quais
corre uma língua de espelhos marginais
granitos que sobem no ímpeto das torres
e olham, olhos facetados, o sonoro
poente das clarabóias, íris ardendo
- Pedras da minha pedra onde morro e moro.
(Rosto Por Dentro)
In “Biografia Pétrea”
Thesaurus Editora
Luís Veiga Leitão **
1912 – 1987
** Pseudónimo de Luís Maria Leitão
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