À ESPERA DA MUSA
Espero pela musa como quem confia
na transfiguração do mundo e na transmigração das almas.
Espero pela musa como quem não usa
usar o pensamento no lugar do génio
que todo o verso puro traz da luz eterna. Espero
pela musa, louco, pela musa espero, fonte
da minha criação sem termo. Um verso, musa,
um verso mais espero. E, se não vem,
sempre virá depois de apenas não ter vindo.
Musa espero, como quem confia.
In “Livro de Receitas”
Campo das Letras, 2000
Luís Adriano Carlos
(N.1959)
UM VERSO VEM
Um verso vem. Calculo o peso da neblina
que envolve o seu teor, o preso ritmo
da esfera em movimento: cerro o olhar na alma tensa
que ao longo do percurso mais ensina. O verso
vem por si em si da imagem que vier
no imaginar do corpo em sua ascese leve, peso
de uma estrutura fina ao seu redor.
Um verso vem. O olhar na alma mais se inclina.
In “Livro de Receitas”
Campo das Letras - 2000
Luís Adriano Carlos
(N. 1959)
PLÁGIO PARA AMADORES
Diz-me de amor ardente se não ver,
metáfora que em verso meu somente
me traz de novo a ferida mais contente
e a dor que desatina sem doer.
Teu querer é metonímia de quem quer
a si se convencer do que já sente,
abrir e reabrir constantemente
o verbo que se perde em querer saber.
Persegues vencedora o invencível,
e partes minha vida em duas partes:
nenhuma me pertence e o impossível
reparte-se por ti com tantas artes
que nada se assemelha a tal desnível
de amar essa loucura, os baluartes.
Amor é água ardente enquanto arde.
In “Livro de Receitas”
Campo de Letras – 2000
Luís Adriano Carlos
N. 1959
ELEGIA
Dos teus olhos líquidos
irrompem musgos transparentes
onde existe um verso amarrotado
ao meio-dia. Um cinzeiro plástico,
resíduos da noite no óleo dos dedos.
Fica. Senta-te aqui na estrofe
desta ilha impar
num triângulo solitário.
Conversemos do curso que vais tirar,
da sede que mato em teus olhos,
de um animal atropelado,
do empréstimo de um livro, do sono
das aves para esconderem a morte.
Conversemos de tudo em vez de olharmos
as fontes secas e as folhas, o enxame
de lágrimas no meio da rua.
Não é meio-dia. Mentira
enquanto acreditávamos. Agora
só acredito em teu sonho. Gostava
de acariciar teus olhos líquidos
e alisar o verso amarrotado.
Mas perdes-te no voo sonoro e pequenino
do avião no horizonte. Eu queria
falar contigo. Olha
a minha voz sequiosa de ser ouvida
nas arestas do silêncio.
Eu queria era falar contigo.
Vivo num tapete de pregos em brasa
dentro do frio, numa lágrima cristalizada.
Vivo de não viver jamais.
Eu queria falar contigo.
A Mecânica do Sexxo XX
In “Poesia Digital – 7 Poetas dos Anos 80”
Campo das Letras
Luís Adriano Carlos
N. 1959
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