LONGE DE TI
Longe de ti, na cela do meu quarto,
Meu corpo cheio de agoirentas fezes,
Sinto que rezas do outro mundo, harto,
Pelo teu filho, minha mãe, não rezes!
Para falar, assim, vê tu! já farto,
Para me ouvires blasfemar, às vezes,
Sofres por mim as dores cruéis do parto
E trazes-me no ventre nove meses!
Nunca me houvesses dado à luz, senhora!
Nunca eu mamasse o leite aureolado
Que me fez homem, mágica bebida!
Fora melhor ter nascido, fora,
Do que andar, como eu ando, degredado
Por esta costa de África da vida.
Coimbra, 1889
In ” Só” – Fev.1989
Estante Editora
António Nobre
1867 – 1900
VENHO DE LONGE E TRAGO NO PERFIL
Venho de longe e trago no perfil,
Em forma nevoenta e afastada,
O perfil de outro ser que desagrada
Ao meu actual recorte humano e vil.
Outrora fui talvez, não Boabdil,
Mas o seu mero último olhar, da estrada
Dado ao deixado vulto de Granada,
Recorte frio sob o unido anil...
Hoje sou a saudade imperial
Do que já na distância de mim vi...
Eu próprio sou aquilo que perdi...
E nesta estrada para Desigual
Florem em esguia glória marginal
Os girassóis do império que morri...
In “Passos da Cruz” – Poesias
Fernando Pessoa
1888 – 1923
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