NÃO É TARDE
O amor é como o fogo, não se propaga
onde o ar escasseia. Mas não te preocupes,
eu fecho mais a porta.
Gestos e paveias, acendalhas, o isqueiro
funciona! Poderoso combustível
é o corpo. Acende deste lado.
Ainda não é tarde, foi agora anunciado
pela rádio, são dezoito e vinte cinco.
Respira-nos, repara, a ilusão
de que a vida não se esgota, como os saldos
de verão. E a morte, à medida que te despes,
vai perdendo o nosso número de telefone.
In “Ulisses já não mora aqui”
Editora & etc
José Miguel Silva
(N. 1969)
PEDRAS E MORTEIROS
"Todos os poetas são judeus"
M. Tsvietaieva
Essa dos poetas, Senhora, com vocação
para apanhar no pelo, tem quase tanta graça
como a outra, de chamar vítimas às vítimas
oficiais do século XX. Como se a história
fosse um prato congelado e a moral
o restaurante onde se come mais barato.
Entretanto, nós somos acusados de atirar pedras.
Mas vede, Senhora, não são pedras, é o que resta
das nossas casas, abatidas por Golias.
Na mão que lhe estendemos deixou-nos esta funda.
Que mais podemos nós, senão utilizá-la?
Razão tem a pedra na conhecida fábula
da Pedra no Sapato quando diz:
todas as pedras são palestinianas.
In "Ulisses Já Não Mora Aqui"
Edição & etc – 2002
José Miguel Silva
N. 1969
SEM TÍTULO
O teu corpo como um livro
escrito em braille,
Nausica, deixei-o
no capítulo primeiro.
Inútil é pensar
nos parágrafos de luz
que prometias.
Feito está o erro.
Não é cego o amor:
é cego quem o troca
pelo hás de bem amado
da sua escuridão.
In “Ulisses Já Não Mora Aqui”
Editora & etc
José Miguel Silva
N. 1969
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