É NO SUL ONDE ME DEMORO
É no sul onde me demoro.
Há uma varanda em frente onde espero o
entardecer,
essa hora mais lenta,
limiar da noite e do coração, quando soam os
punhais.
Estranhas são as nuvens deste céu litoral.
Passam, param,
soltam-se em intoleráveis figuras,
animais do vento, altíssima visão.
à esquerda é o caminho para o areal.
Do outro lado alguém toca,
os dedos ferem as cordas,
florescem as notas de um lamento distante.
Quantas noites estarei aqui,
nesta varanda do sul,
no entardecer destes países,
nas cordas de um cântico mortal?
In "Morrer no Sul"
Assírio & Alvim (1983)
José Agostinho Baptista
(N.1948)
O VERÃO
Estás no verão,
num fio de repousada água, nos espelhos perdidos sobre
a duna.
Estás em mim,
nas obscuras algas do meu nome e à beira do nome
pensas:
teria sido fogo, teria sido ouro e todavia é pó,
sepultada rosa do desejo, um homem entre as mágoas.
És o esplendor do dia,
os metais incandescentes de cada dia.
Deitas-te no azul onde te contemplo e deitada reconheces
o ardor das maçãs,
as claras noções do pecado.
Ouve a canção dos jovens amantes nas altas colinas dos
meus anos.
Quando me deixas, o sol encerra as suas pérolas, os
rituais que previ.
Uma colmeia explode no sonho, as palmeiras estão em
ti e inclinam-se.
Bebo, na clausura das tuas fontes, uma sede antiquíssima.
Doce e cruel é setembro.
Dolorosamente cego, fechado sobre a tua boca.
(Paixão e Cinzas -1992)
In “Biografia”
Assírio & Alvim – 2000
José Agostinho Baptista
N. 1948
TEMPO
Não sei se te nomeie ou nomeie o vento,
isto que passa
e procura os outros lugares onde o pólen cai.
Talvez uma colmeia confie ao seu mel o que
ficou de um ano
em que a tempestade não se fez ouvir sobre
as corolas.
O que viste antes de setembro perdeu-se,
apagou-se,
afastou-se sem dizer nada,
como os barcos que pouco a pouco se
afastaram da nossa vida,
calados e brancos,
com as suas gaivotas de asas fechadas,
envelhecendo lado a lado, sobre o convés.
In “Agora e na Hora da Nossa Morte”
Assírio & Alvim
José Agostinho Baptista
N. 1948
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