Terça-feira, 19 de Dezembro de 2017

Recordando... Jaime Cortesão

À MINHA MÃE E À MINHA TERRA

 

A Ti, minha Mãe que tens o rosto

Dorido e iluminado duma santa,

Todo embebido em lágrimas de Amor,

É que a minha Alma, de joelhos, canta!

A Ti, e à minha Terra, as duas Mães,

 

Que me criaram juntas num abraço,

Pois ambas me trouxeram no seu ventre,

Ambas me adormeceram no regaço.

 

E tu, vento de orgulho, que em mim passas

Rugindo a toda hora,

Une-te ao pó:

E agora

Que de toda a minha Alma fique só

A trémula inocência dum menino

Para que eu reze uma oração de Graças!

Como és, ó mãe!, irmã desta Paisagem

Tão doce, religiosa e comovida,

Com uma parte viva neste mundo

E outra maior que é para além da Vida!

Já, por amor de mim, desses teus olhos,

Postos num rosto triste e macerado,

Como uma fonte prestes a nascer,

Muita lágrima em fio tens chorado

E muitas inda estão para correr.

 

Também a Terra sofre das raízes,

Que a penetram na ânsia de sugar;

Das Águas que a retalham pra correr,

Das humildes sementes a acordar;

Sofrem os Rios concebendo a Névoa

As Árvores no esforço de se erguer,

E Árvores, Rios, Névoas, tudo sofre

Quando lhes bate o lácteo do Vento

Ou se o Sol as devora, calcinante:

E é todo esse profundo Sofrimento

Para que eu num delírio ria e cante!

 

O vento, em fúria, passa sobre a Terra:

Talvez tu chores minha Mãe agora,

E quando eu canto, para ser Poeta,

Tu choras minha Mãe e a Terra chora.

 

A graça do teu rosto é já do Céu

Participa de Deus, de Eternidade,

E não se vê melhor estando ao perto:

Mas no vidente enlevo da Saudade,

Olhos fechados, coração aberto...

 

Tu ensinaste-me a rezar, ó Mãe!

E a minha Terra...: é só olhá-la bem,

Longe até às encostas,

Vêem-se choupos sempre até além...:

É a Paisagem toda de mãos postas!

 

Só tu podias ser a minha Mãe,

Só tu e mais ninguém

Trazer-me ao peito

É dar-me um leite em lágrimas banhado;

E que a estes meus olhos fosse dado

Só há no mundo este lugar eleito.

 

Graças, ó minha Mãe!, te venho dar

E a ti, boa Paisagem, também dou

Por meu divino gosto de cantar,

Pela parte mais santa do que sou!

 

É por amor das lágrimas ardentes,

Que te cavaram sulcos pelo rosto,

É por amor do céu e do Sol-posto,

Do Mar... de ti, Paisagem, que me abraças,

Que eu sou Poeta e canto e choro e rezo

E que vos dou esta oração de graças.

 

E assim, ó minha Mãe, minha Paisagem,

Ensinai-me a criar como as mulheres

E como a Terra generosa e ruda:

Que sofras, ó minha Alma, as dores do Parto,

Que dês o sangue aos versos que fizeres

Que o sol te queime e o Vento te sacuda!

 

Minha Mãe, Minha Mãe, ó Minha Santa,

E vós, sagradas Águas e ramagens,

Bendita sejas tu entre as Mulheres,

Bendita sejas tu entre as Paisagens!

 

In "Glória Humilde”

Renascença Portuguesa - 1914

 

Jaime Cortesão

(1884-1960)

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Segunda-feira, 5 de Abril de 2010

Recordando... Jaime Cortesão... Poeta do Séc. XX

ELOGIO ÀS LÁGRIMAS

 

I

Lágrima é Alma que aflora

E á beira do Céu medita,

Mas que em breve se evapora

Para ser Vida infinita!

 

II

Quanto uma lágrima exprime

– Encanto, Dôr, Alegria –

É o acordar do sublime,

Que dentro d’Alma dormia.

 

III

Os olhos são lábios d’Alma,

Dôr é sêde que devora,

Sêde de água a água acalma;

E por isso a gente chora.

 

Fonte de pranto desfeito

– Água divina a correr –

Vem das entranhas do peito

À flôr dos olhos nascer.

 

Rega a face, corre em fio,

E o seio d’Alma, nascente,

É, depois do ardôr do Estio,

Primavera novamente.

 

IV

Quanto mais Amor me abrazas,

Mais a Alma vai subindo,

Chega aos olhos, solta as asas…:

São as lágrimas caindo.

 

V

Quando em meus braços te escondes

E perguntas se te adoro,

Calo-me. – Então não respondes…? –

E eu ólho p’ra ti e… choro.

 

VI

Almas – raízes sepultas…

Lágrimas – flores despontando…;

Quantas belezas ocultas

Só se conhecem chorando.

 

VII

Olhos que choram de mágoa,

Olham a Deus bem de fito:

Numa simples gôta d’água

Vem reflectir-se o Infinito.

 

VIII

Chorar é partir, de mágoa,

O coração aos pedaços,

Transformá-lo em beijos d’água

E a névoa d’água em abraços.

 

IX

«Já que a Sorte nos aparta

Venho dar-te o coração…»

Chorando inundei a carta…

Vê se éra verdade, ou não…

 

X

São as lágrimas salgadas…

Pudéra que assim não fosse:

Não que depois de choradas

Sente-se a Vida mais dôce.

 

XI

Quando choro o chôro rola

Dos meus olhos baga a baga,

Porque é que alguem me consola,

De quem a mão que me afaga…?!

 

XII

Chorar por mágoas d’Amor

É a divina surpresa

De ter esquecido a Dôr,

A admirar-lhe a grandeza.

 

XIII

Oh! Alma, oceano profundo,

Cheio de tantos escolhos,

Mas desce-te a Dôr ao fundo,

Traz as pérolas aos olhos.

 

XIV

Chorar é rezar aos céus,

Fazer acto de Humildade:

Quem chora acredita em Deus,

Confessa Amor e Bondade!

 

 

S. João do Campo

 

In Revista “A Águia”

N.º 2 – 1.ª Série – Ano I – 15 de Dezembro de 1910

 

Jaime Cortesão 

1884 – 1960

 

 

 

MANTÉM A GRAFIA ORIGINAL

 

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