À MINHA MÃE E À MINHA TERRA
A Ti, minha Mãe que tens o rosto
Dorido e iluminado duma santa,
Todo embebido em lágrimas de Amor,
É que a minha Alma, de joelhos, canta!
A Ti, e à minha Terra, as duas Mães,
Que me criaram juntas num abraço,
Pois ambas me trouxeram no seu ventre,
Ambas me adormeceram no regaço.
E tu, vento de orgulho, que em mim passas
Rugindo a toda hora,
Une-te ao pó:
E agora
Que de toda a minha Alma fique só
A trémula inocência dum menino
Para que eu reze uma oração de Graças!
Como és, ó mãe!, irmã desta Paisagem
Tão doce, religiosa e comovida,
Com uma parte viva neste mundo
E outra maior que é para além da Vida!
Já, por amor de mim, desses teus olhos,
Postos num rosto triste e macerado,
Como uma fonte prestes a nascer,
Muita lágrima em fio tens chorado
E muitas inda estão para correr.
Também a Terra sofre das raízes,
Que a penetram na ânsia de sugar;
Das Águas que a retalham pra correr,
Das humildes sementes a acordar;
Sofrem os Rios concebendo a Névoa
As Árvores no esforço de se erguer,
E Árvores, Rios, Névoas, tudo sofre
Quando lhes bate o lácteo do Vento
Ou se o Sol as devora, calcinante:
E é todo esse profundo Sofrimento
Para que eu num delírio ria e cante!
O vento, em fúria, passa sobre a Terra:
Talvez tu chores minha Mãe agora,
E quando eu canto, para ser Poeta,
Tu choras minha Mãe e a Terra chora.
A graça do teu rosto é já do Céu
Participa de Deus, de Eternidade,
E não se vê melhor estando ao perto:
Mas no vidente enlevo da Saudade,
Olhos fechados, coração aberto...
Tu ensinaste-me a rezar, ó Mãe!
E a minha Terra...: é só olhá-la bem,
Longe até às encostas,
Vêem-se choupos sempre até além...:
É a Paisagem toda de mãos postas!
Só tu podias ser a minha Mãe,
Só tu e mais ninguém
Trazer-me ao peito
É dar-me um leite em lágrimas banhado;
E que a estes meus olhos fosse dado
Só há no mundo este lugar eleito.
Graças, ó minha Mãe!, te venho dar
E a ti, boa Paisagem, também dou
Por meu divino gosto de cantar,
Pela parte mais santa do que sou!
É por amor das lágrimas ardentes,
Que te cavaram sulcos pelo rosto,
É por amor do céu e do Sol-posto,
Do Mar... de ti, Paisagem, que me abraças,
Que eu sou Poeta e canto e choro e rezo
E que vos dou esta oração de graças.
E assim, ó minha Mãe, minha Paisagem,
Ensinai-me a criar como as mulheres
E como a Terra generosa e ruda:
Que sofras, ó minha Alma, as dores do Parto,
Que dês o sangue aos versos que fizeres
Que o sol te queime e o Vento te sacuda!
Minha Mãe, Minha Mãe, ó Minha Santa,
E vós, sagradas Águas e ramagens,
Bendita sejas tu entre as Mulheres,
Bendita sejas tu entre as Paisagens!
In "Glória Humilde”
Renascença Portuguesa - 1914
Jaime Cortesão
(1884-1960)
ELOGIO ÀS LÁGRIMAS
I
Lágrima é Alma que aflora
E á beira do Céu medita,
Mas que em breve se evapora
Para ser Vida infinita!
II
Quanto uma lágrima exprime
– Encanto, Dôr, Alegria –
É o acordar do sublime,
Que dentro d’Alma dormia.
III
Os olhos são lábios d’Alma,
Dôr é sêde que devora,
Sêde de água a água acalma;
E por isso a gente chora.
Fonte de pranto desfeito
– Água divina a correr –
Vem das entranhas do peito
À flôr dos olhos nascer.
Rega a face, corre em fio,
E o seio d’Alma, nascente,
É, depois do ardôr do Estio,
Primavera novamente.
IV
Quanto mais Amor me abrazas,
Mais a Alma vai subindo,
Chega aos olhos, solta as asas…:
São as lágrimas caindo.
V
Quando em meus braços te escondes
E perguntas se te adoro,
Calo-me. – Então não respondes…? –
E eu ólho p’ra ti e… choro.
VI
Almas – raízes sepultas…
Lágrimas – flores despontando…;
Quantas belezas ocultas
Só se conhecem chorando.
VII
Olhos que choram de mágoa,
Olham a Deus bem de fito:
Numa simples gôta d’água
Vem reflectir-se o Infinito.
VIII
Chorar é partir, de mágoa,
O coração aos pedaços,
Transformá-lo em beijos d’água
E a névoa d’água em abraços.
IX
«Já que a Sorte nos aparta
Venho dar-te o coração…»
Chorando inundei a carta…
Vê se éra verdade, ou não…
X
São as lágrimas salgadas…
Pudéra que assim não fosse:
Não que depois de choradas
Sente-se a Vida mais dôce.
XI
Quando choro o chôro rola
Dos meus olhos baga a baga,
Porque é que alguem me consola,
De quem a mão que me afaga…?!
XII
Chorar por mágoas d’Amor
É a divina surpresa
De ter esquecido a Dôr,
A admirar-lhe a grandeza.
XIII
Oh! Alma, oceano profundo,
Cheio de tantos escolhos,
Mas desce-te a Dôr ao fundo,
Traz as pérolas aos olhos.
XIV
Chorar é rezar aos céus,
Fazer acto de Humildade:
Quem chora acredita em Deus,
Confessa Amor e Bondade!
S. João do Campo
In Revista “A Águia”
N.º 2 – 1.ª Série – Ano I – 15 de Dezembro de 1910
Jaime Cortesão
1884 – 1960
MANTÉM A GRAFIA ORIGINAL
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