MULHER NA NOITE
Ei-la que passa
Com sua magia,
Quebrando na noite,
A monotonia.
Bamboleando atravessa a rua,
Como uma estrela ou como a lua.
Deixa no ar um vago perfume,
Que tudo incendeia
Como se fora lume.
A rua pára ao vê-la passar,
O tempo suspenso
Com o seu andar.
Um carro que freia,
Uma pomba assustou,
Presa pela asa,
Ao beiral que a criou.
Na noite magoada,
Ilusão afastada,
A magia findou…
In “O Livro da Nena” – Fevereiro de 2008
Papiro Editora
Maria Irene Costa
N. 1951
MINHA MÃE
As saudades que eu sinto
Do tempo em que era rainha
E fazia renda com uma linha,
Para enfeitar nossa casa.
Minha mãe se sentava
No banco da nossa cozinha,
Enquanto eu lhe contava
Os episódios da escola
E ela meiga falava,
De tudo o que eu amava.
Trocávamos nossas reflexões
E por vezes aos serões,
Ela um pouco dormitava;
Se não fosse maçador
Falava-lhe com amor,
Das coisas das minhas crianças,
Dos seus sonhos e esperanças,
Das histórias do dia a dia
E ela por vezes ria
Da terna ingenuidade,
Dos alunos que eu amava.
Ai minha mãe, quem me dera,
Fosse sempre Primavera
E tu, no banco da cozinha,
Não passasse de quimera!
Ai Inverno, como és frio,
A neve caindo no rio
E gelando dentro de mim!
E o banco da cozinha,
Que está para sempre vazio!
A tua almofada,
Bem depressa a escondi;
Não foi para me esquecer de ti,
Mas para tanto não sofrer!
De pouco adiantou,
Que na cadeira vazia,
Nem mesmo na noite fria,
Teu amor não se sentou!
As saudades que eu sinto,
Do tempo em que era rainha
E estavas sempre sentada,
No banco da nossa cozinha!
In “O Livro da Nena” – Fevereiro de 2008
Papiro Editora
Maria Irene Costa
N. 1951
JEITO DE ESCREVER
Não sei que diga.
E a quem o dizer?
Não sei que pense.
Nada jamais soube.
Nem de mim, nem dos outros.
Nem do tempo, do céu e da terra, das coisas...
Seja do que for ou do que fosse.
Não sei que diga, não sei que pense.
Oiço os ralos queixosos, arrastados.
Ralos serão?
Horas da noite.
Noite começada ou adiantada, noite.
Como é bonito escrever!
Com este longo aparo, bonitas as letras e o gesto – o jeito.
Ao acaso, sem âncora, vago no tempo.
No tempo vago...
Ele vago e eu sem amparo.
Piam pássaros, trespassam o luto do espaço, este sereno
luto das horas. Mortas!
E por mais não ter que relatar me cerro.
Expressão antiga, epistolar: me cerro.
Tão grato é o velho, inopinado e novo.
Me cerro!
Assim: uma das mãos no papel, dedos fincados,
solta a outra, de pena expectante.
Uma que agarra, a outra que espera...
Ó ilusão!
E tudo acabou, acaba.
Para quê a busca das coisas novas, à toa e à roda?
Silêncio.
Nem pássaros já, noite morta.
Me cerro.
Ó minha derradeira composição! Do não, do
nem, do nada, da ausência e solidão.
Da indiferença.
Quero eu que o seja! Da indiferença ilimitada.
Noite vasta e contínua, caminha, caminha.
Alonga-te.
A ribeira acordou.
In “Líricas Portuguesas”
Portugália Editora
Irene Lisboa
1892 – 1958
ALMA
Vive cada instante com intensidade.
Absorve cada sopro, cada aragem.
Alegre saboreia a mocidade,
Que a vida é quase uma miragem!
Abre as asas e livre voa,
Mesmo que seja um breve planar.
Procura a Estrela-guia e o luar
Que retirem do teu caminho o que magoa!
Sê tu, sempre tu, autêntica e pura.
Afasta os espinhos, a terra dura.
Amanheça de alegria o teu sorriso!
Possas ser, dos tristes, arrimo e encanto.
Esconde rosas vermelhas no teu manto
E faz do solo que pisas um Paraíso!...
In “O Livro da Nena” – Fevereiro de 2008
Papiro Editora
Maria Irene Costa
N. 1951
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