CARTA AO MAR
Deixa escrever-te, verde mar antigo,
Largo Oceano, velho deus limoso,
Coração sempre lyrico, choroso,
E terno visionario, meu amigo!
Das bandas do poente lamentoso
Quando o vermelho sol vae ter comtigo,
- Nada é mais grande, nobre e doloroso,
Do que tu, - vasto e humido jazigo!
Nada é mais triste, tragico e profundo!
Ninguem te vence ou te venceu no mundo!...
Mas tambem, quem te poude consollar?!
Tu és Força, Arte, Amor, por excellencia! -
E, comtudo, ouve-o aqui, em confidencia;
- A Musica é mais triste inda que o Mar!
(Mantém a grafia original)
In "Claridades do Sul"
Gomes Leal
(1848-1921)
A UMA ANDORINHA
Nas brisas da tardinha
Pára teu vôo um pouco;
Ouve um poeta, um louco,
– Escuta-me andorinha!
Um pouco deixa os ninhos;
Attende as vãs loucuras,
–Tambem nas sepulturas
Vôam os passarinhos!
Nem sempre o azul ethereo
Quaes flexas vão cortando,
– Também riem, voando,
No chão do cemiterio!
Lavam os pés rosados
Nas urnas funeraes;
–Tu, mesmo, nos telhados
Moras das cathedraes!
Não fujas d'um poeta,
Que ha nuvens mais sombrias!
– Tu já moraste uns dias
No nicho d'um propheta!
Por tanto, tu que adoras
A primavera e o Sul,
Dize-me, – no alto azul,
Quem faz sempre as Auroras!
Quem dá tintas vermelhas
Ao Sol poente que arde?
– Quem coze as nuvens velhas,
E accende o astro da tarde?
Os campos dão renovos
Tambem, n'outras espheras?
– Quem faz as primaveras?
– Quem faz os astros novos?
Quem faz a ave-flor?
Quem tinge o temporal?
– Quem faz a pomba, côr
Do lyrio virginal?
No Sol ha violetas,
E rios, campos, vinhas?
– Dize, se nos planetas?...
Tambem ha andorinhas...
E tu que mais almejas?
Tens sol, astros e ninhos--
Tens tudo o que desejas...
– Luz, grãos, pelos caminhos!
Ó triste ambicionar!
Ó santo e vão delirio!
– Talvez, ó filha do Ar
Quizesses ser um lyrio!
In “Claridades do Sul”
Braz Pinheiro – Editor
Lisboa – 1875
Gomes Leal
1848 – 1921
MANTEM A GRAFIA ORIGINAL
MISERIA OCCULTA
Bate nos vidros a aurora,
Vem depois a noute escura;
E o pobre astro que ali móra,
Não abandona a costura!
Para uns a vida é d'abrolhos!
Para outros mouta de lyrios!
Bem o revelam seus olhos,
Pisados pelos martyrios!
Miseria afugenta tudo!
Miseria tem dons funestos!
Quem é que gaba o velludo
D'aquelles olhos honestos!...
Ninguem seus olhos brilhantes
Descobre n'essas alturas...
E aquellas formas tão puras,
E aquellas mãos elegantes!
Sempre á costura inclinada!
Morra o sol ou surja a lua
Nunca vi descer á rua
Aquella loura encantada!
Aquelle lyrio dobrado
Por que assim vive escondido!
Eu bem sei! – não tem calçado!
E é muito usado o vestido!
Por isso não tem porvir
Morrerá virgem e nova,
E aguarda-a bem cedo a cova...
Que eu bem a ouço tossir!
Miseria afugenta tudo!
Miseria tem dons funestos!
Quem é que gaba o velludo
D'aquelles olhos honestos!
Pobre flor desfalecida
Tão nova e ainda em botão!
Como teve estreita a vida,
Terá estreito o caixão!
In “Claridades do Sul” – 1875
Braz Pinheiro – Editor
Praça d'Alegria 73 – Lisboa
Gomes Leal
1848 – 1921
MANTEM A GRAFIA ORIGINAL
OS PASTORES
Guardavam certos pastores
seus rebanhos, ao relento,
sobre os céus consoladores
pondo a vista e o pensamento.
Quando viram que descia,
cheio de glória fulgente,
um anjo do céu do Oriente,
que era mais claro que o dia.
Jamais os cegara assim
luz do meio-dia ou manhã.
Dir-se-ia o audaz Serafim,
que um dia venceu Satã.
Cheios de assombro e terror,
rolaram na erva rasteira.
– Mas ele, com voz fagueira,
lhes diz, com suave amor:
«Erguei-vos, simples, daí,
humildes peitos da aldeia!
Nasceu o vosso Rabi,
que é Cristo – na Galileia!
Num berço, o filho real,
não o vereis reclinado.
Vê-lo-eis pobre e enfaixado,
sobre as palhas de um curral!
Segui dos astros a esteira.
Levai pombas, ramos, palmas,
ao que traz uma joeira
das estrelas e das almas!»
Foi-se o anjo: e nas neblinas,
então celestes legiões
soltam místicas canções,
sobre violas divinas.
Erguem-se, enfim, os pastores
e vão caminhos dalém,
com palmas, rolas, e flores,
cordeiros, até Belém.
E exclamavam indo a andar:
– «Vamos ver o vinhateiro!
Ver o que sabe lavrar
nas nuvens, ver o Ceifeiro!
Vamos beijar os pés nus
do que semeia nos céus.
Ver esse pastor que é Deus
– e traz cajado de luz!»
Chegando ao presépio, enfim,
caem, de rojo, os pastores,
vendo o herdeiro d’Eloim
que veste os lírios e as flores.
Dão-lhe pombas gloriosas,
meigos, tenros animais.
– Mas, vendo coisas radiosas,
casos vindouros, fatais…
Abria o deus das crianças
uns olhos profundos, graves,
no meio das pombas mansas
– nas palpitações das aves.
In “História de Jesus”
(Para as Criancinhas Lerem)
Edição: José Carlos Seabra Pereira
Assírio & Alvim
Gomes Leal
1848 – 1921
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