AQUELA NUVEM
Aquela nuvem
Parece um cavalo...
Ah! Se eu pudesse montá-lo!
Aquela?
Mas já não é um cavalo,
É uma barca à vela.
Não faz mal.
Queria embarcar nela.
Aquela?
Mas já não é um navio,
É uma torre amarela
A vogar no frio
Onde encerraram uma donzela.
Não faz mal.
Quero ter asas
Para a espreitar da janela.
Vá, lancem-me no mar
Donde voam as nuvens
Para ir numa delas
Tomar mil formas
Com sabor a sal
- Labirinto de sombras e de cisnes
No céu de água-sol-vento-luz concreto e irreal...
In “Poesia IV” – 1970
José Gomes Ferreira
1900 – 1985
NESSE TEMPO PARA MIM
Nesse tempo para mim
amar era trazer uma fogueira
onde colava um rosto de mulher
ou a forma de um jasmim.
De vez em quando vestia-lhe um fantasma novo
ou outro sonho qualquer,
ás vezes bastava mudar-lhe o nome
pronunciado com a saliva das manhãs rumorosas
de quem tem sede
não de uma fonte especial,
mas apenas do orvalho
que o Sol ao nascer
modela no perfume-seda
das rosas.
In “Poeta Militante”
Publicações D. Quixote
José Gomes Ferreira
1900 – 1985
Vivam, apenas
Sejam bons como o sol.
Livres como o vento.
Naturais como as fontes
Imitem as árvores dos caminhos
que dão flores e frutos
sem complicações.
Mas não queiram convencer os cardos
a transformar os espinhos
em rosas e canções.
E principalmente não pensem na Morte.
Não sofram por causa dos cadáveres
que só são belos
quando se desenham na terra em flores.
Vivam, apenas.
A Morte é para os mortos!
José Gomes Ferreira
1900 – 1985
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