QUE FAREI NO OUTONO QUANDO ARDEM
Que farei no Outono quando ardem
as aves e as folhas e se chove
é sobre o corpo descoberto que arde
a água do Outono
Que faremos do corpo e da vontade
de o submeter ao fogo do Outono
quando o corpo se queima e quando o sono
sob o rumor da chuva se desfaz
Tudo desaparece sob o fogo
tudo se queima tudo prende a sua
secura ao fogo e cada corpo vai-se
prendendo ao fogo raso
pois só pode
arder imenso quando tudo arde
In “Outro Nome/ Escassez/ As Aves”
Assírio & Alvim
Gastão Cruz
(N.1941)
ODE SONETO À CORAGEM
O silêncio coragem não consente
o amor da linguagem o silêncio
é um incêndio grande e a nossa fala
estremece de palavras abraçadas
Há um amor do que se diz do fogo
onde sempre se esgota a nossa voz
dizer palavras é lutar se a luta
reconhece as palavras que produz
se as acende nas ruas
do sentido que o coração dos homens conseguiu
impor-lhes em silêncio incêndio grande
é a língua maior incêndio os homens
sobre a fala esgotada coragem sobre
o fogo maior incêndio o amor
In “A doença”
Editora Portugália
Gastão Cruz
(N. 1941)
TINHA DEIXADO A TORPE ARTE DOS VERSOS
Tinha deixado a torpe arte dos versos
e de novo procuro esse exercício
de soluços
Devo agora rever a noite que te oculta
como pude esquecer que de tal modo
teria de exprimir
tudo o que já esquecera e sopra sobre
mim
como numa planície o crepúsculo
Tinha esquecido a arte dos tercetos
e toda a
outra
mas fechaste-te nela e eu descubro
no seu esse veneno esse discurso
Devo pois ver de novo como muda
como os sinais da voz a noite que perdura
tu deitas-te eu ensino à minha vida
esse extinto exercício
In “Teoria da Fala”
Pub. Dom Quixote
Gastão Cruz
(N. 1941)
SAÍMOS DOS RUÍDOS DO INVERNO
Saímos dos ruídos do inverno
e saímos do frio em que dormimos
e dormimos ainda ainda temos
sono igual ao inverno e
nada se mudou senão a luz
a saída da luz
que se esforçava no calor do rio
por achar o motor da sua húmida
súbita madrugada ali contida
no silêncio do rio na ferida
por onde pôde a árvore evadir-se da luz
e nada se mudou somente um rasgo
de claridade no clarão da água
rompeu do rio de súbito o motor
In “Os Nomes”
Assírio & Alvim
Gastão Cruz
N. 1941
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