TALENTO BUROCRÁTICO
Palavra que o Eusébio é um rapaz astuto;
não é um imbecil, como há alguém que o pense.
Tinha um ar de quem anda em busca do Absoluto
e andava era a cismar na manga do amanuense.
Mal vagou o lugar foram dez cães a um osso,
e ele é que o abocou. Ora o comendador
(o tal que usa um grilhão pendente do pescoço)
influiu; mas o Eusébio inda operou melhor.
Foi aberto concurso, a bem da velha prática;
e o Eusébio (por si, sem ter quem o guiasse)
Fez no requerimento onze erros de gramática –
sete de ortografia e quatro de sintaxe.
Assim li num jornal. Os outros concorrentes,
sem um erro sequer, estavam muito abaixo:
o Eusébio apresentou asneiras convenientes
e foi ele, bem visto, o que alcançou despacho.
Ei-lo pois amanuense. Agora vai casar-se.
Comprou já chapéu alto e um valioso anel.
O pai gaba-o e diz: «É pena não formar-se!
Fazia-se dali um rico bacharel.»
É um moço prendado e é justo o seu alarde;
e então (e ele é que o diz) não tem sequer um vício...
Não há quem puxe um D como ele no Deus Guarde,
nem quem faça também mais erros num ofício.
Em contas, nem falar; é mesmo prodigioso;
não conheço ninguém mais forte na tabuada:
aquilo é segurinho, exacto, escrupuloso...
três vezes três são seis; dez, noves fora, nada.
Em suma, é um zeloso, um óptimo empregado.
Foi acertada a escolha; e só me desconsola
que ele não possa ser mais bem utilizado.
Que pena! Uma aptidão que dava um mestre-escola.
(Boston)
In “Rimas de Ironia Alegre”
Colecção Brevíssima – Maio de 1997
Liv. Civilização Editora e Contexto Editora
Garcia Monteiro
1859 – 1913
UM MODO DE VER
Ela entrou, a sorrir, brejeira, com mistério,
Chegou ao pé da filha e disse-lhe ao ouvido:
«Parabéns! Arranjei-te um óptimo marido.»
A pequena espantou-se. «O Santos Desidério!»
Este Santos viajou pelo Celeste Império.
Tem seus contos de réis; mas vive aborrecido
Por ser imberbe e calvo. «O caso é divertido!»
Exclamou a pequena. E a mãe: «O caso é sério!»
E pôs-se a enumerar as boas qualidades,
O rendimento, o luxo, as ricas propriedades,
E a traça das mamãs, «morrendo por obtê-lo.»
A filha ouviu; e então, com modo sobranceiro,
Apenas observou que aquele cavalheiro
Era rico de bens - mas pobre de cabelo.
Horta
In “Rimas de Ironia Alegre”
Garcia Monteiro
1859 – 1913
. Mais poesia em
. Eu li...
. Recordando... Garcia Mont...
. Recordando... Poetas do S...