À COROA DE ESPINHOS
A que vindes, Senhor do Céu à terra,
Terra que sendo vossa vos enjeita,
E que tanto vos honra e vos respeita,
Que em não vos receber insiste e emperra?
Ah! Quanta ingratidão nela s’encerra!
Quão mal de vossa vinda se aproveita!
Pois se põe a tomar-vos conta estreita,
Mais brada contra vós, quanto mais erra.
E vós de vosso amor puro forçado
Os malditos espinhos lhe pisais,
Dos quais ainda sendo coroado,
A maldição antiga lhe trocais
Na bênção, que lhe dais crucificado,
Quando morto d’amor, d’amor matais.
In “Espelho dos Penitentes”
Frei Agostinho da Cruz **
(1540-1619)
** Nome de nascimento Agostinho Pimenta
DA ORAÇÃO
Doce quietação de quem vos ama,
Em serviços, Senhor, que tanto quanto
Amado sois, tão longe o fim de tanto,
Subindo mais, e mais, mais se derrama:
Ardendo por arder em viva chama
De amor do vosso amor, a voz levanto;
Sinto, suspiro, choro, colho, e planto
Ao som doutra suave que me chama.
Onde se vai, Senhor, quem vos ofende?
Donde levais, Deus meu, a quem vos segue?
Onde fugir se pode uma de duas?
Morto por quem o mata que pretende,
Ou que extremos de amor há que nos negue
Quem culpas nossas chama ofensas suas?
In “Sonetos”
Frei Agostinho da Cruz **
(1540-1619)
** Nome de baptismo Agostinho Pimenta
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