SABEDORIA
Nos dias em que nada vale a pena,
E em que as árvores amigas
São iguais e estão vistas,
A vida é tão parada e tão serena
Que afinal já não há que contar mais,
E prevejo, com olhos anormais,
As coisas imprevistas...
Nos dias em que são cinzentos os meus céus
— O de dentro e o de fora —
E é vaga esta noção de um velho Deus,
Que me não manda embora
Deste espectáculo estafado
Em que de cor sei dizer
O que me foi ensaiado
E o que todos vão fazer,
Tenho inveja dos homens convencidos
Que nem sequer sonharam
Que poderia haver paraísos perdidos,
Ainda não decifraram
Esta charada em que andam envolvidos,
E pensam que, vivendo, triunfaram
Da Vida em que os que sonham são vencidos.
"Canções de Entre Céu e Terra"
In “Obra Completa de Francisco Bugalho”
Editora LG
Francisco Bugalho
(1905-1949)
MONTADO VELHO
Meu triste montado velho,
Que paz tem quem te procura
E, em ti, vem achar o espelho
De uma vida sem doçura,
Mas livre de enganos vãos!…
Troncos rugosos, mas sãos,
Ásperos, sim, mas generosos;
Todos, na desgraça, irmãos,
Dos maus invernos ventosos,
E dos verões, sem pinga d’água.
Montado, que estranha mágoa
Te confrange e te redime!
A tua visão afago-a:
– és bom cenário pra um crime
e pra milagres também.
Montado, além, mais pra além,
Há céus azuis e há searas.
E brandas águas que têm
O brilho de pedras raras,
E não há solidão!…
Mas essa tua canção
–soluço d’alma que anseia –
também, a meu coração,
furtivamente se enleia.
E aqui me fico contigo.
Sem ternura, nem doçura:
Mas longe do mundo vão,
– meu velho montado amigo!…
O Espaço da Escrita
In “Obra Completa de Francisco Bugalho”
Organização de Luís Manuel Gaspar, João Filipe Bugalho,
Maria Jorge, Luís Amaro e Diana Pimentel
Prefácio de Joana Varela
Editora LG
Francisco Bugalho
(1905-1949)
NOITE
Na noite negra, pérfida e calada,
Alguém passa a cantar à minha porta;
É uma voz estridente, desgarrada
Que assim se vai perdendo pela estrada
E em que há todo o pavor da noite morta.
Um arrepio dessa voz, que tem
Um medo heróico à própria solidão,
Comunica-se e vem
Fazer tremer involuntariamente,
Sobre o livro que leio, a minha mão.
Depois vai-se fundindo, em sons dispersos,
Na noite surda, pérfida e calada…
Foi do pavor de seguir só na estrada
Que nasceram também estes meus versos.
Canções de entre Céu e Terra (1940)
In “Obra Completa de Francisco Bugalho”
Organização de Luís Manuel Gaspar, João Filipe Bugalho, Maria Jorge, Luís Amaro e Diana Pimentel
Prefácio de Joana Varela
Editora LG
Francisco Bugalho
(1905-1949)
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