AMNÉSIA
Posso pedir, em vão, a luz de mil estrelas,
apenas obtenho este desenho pardo
que a lâmpada de vinte e cinco velas
estende no meu quarto.
Posso pedir, em vão, a melodia, a cor,
e uma satisfação imediata e firme:
(a lúbrica face do despertador
é quem me pesa e oprime).
E peço, em vão, uma palavra exacta,
uma fórmula sonora, que resuma
este desespero de não esperar nada,
esta esperança real em coisa nenhuma.
E nada consigo, por muito que peça!
E tamanha ambição de nada vale!
Que eu fui deusa e tive uma amnésia,
esqueci quem era e acordei mortal.
In “Cem Poemas Portugueses no Feminino”
Selecção e Org. de José Fanha e José Jorge Letria
Editora Terramar
Fernanda Botelho
1926 – 2007
ASA NO ESPAÇO
Asa no espaço, vai pensamento!
Na noite azul, minha alma, flutua!
Quero voar nos braços do vento,
quero vogar nos braços da Lua!
Vai, minha alma, branco veleiro,
vai sem destino, a bússola tonta...
Por oceanos de nevoeiro
corre o impossível, de ponta a ponta.
Quebra a gaiola, pássaro louco!
Não mais fronteiras, foge de mim,
que a terra é curta, que o mar é pouco,
que tudo é perto, princípio e fim.
Castelos fluidos, jardins de espuma,
ilhas de gelo, névoas, cristais,
palácios de ondas, terras de bruma,
...Asa, mais alto, mais alto, mais!
In “Poesia II” – 1969
Fernanda de Castro
1900 – 1994
FIM DE OUTONO
Fim de Outono... Folhas mortas...
Sol doente... Nostalgia...
Tudo seco pelas hortas,
Grandes lágrimas no chão
Nem uma flor pelos montes,
Tudo numa quietação
Soluça numa oração
O triste cantar das fontes.
Fim de Outono... Folhas mortas...
Sol doente... Nostalgia...
A terra fechou as portas
Aos beijos do sol ardente,
E agora está na agonia...
Valha à terra agonizante
A Santa Virgem Maria!
Fim de Outono... Folhas mortas...
Sol doente... Nostalgia
Fernanda de Castro
1900 – 1994
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