EM DIA DE CINZA, SOBRE AS PALAVRAS: "QUIA PULVIS ES"
Melhor há de mil anos que me grita
Uma voz, que me diz: "És pó da terra!"
Melhor há de mil anos que a desterra
Um sono que esta voz desacredita.
Diz-me o pó que sou pó, e a crer me incita
Que é vento quanto neste pó se encerra;
Diz-me outro vento que esse pó vil erra...
Qual destes a verdade solicita?
Pois, se mente este pó, que foi do mundo?
Que é do gosto? Que é do ócio? Que é da idade?
Que é do vigor constante e amor jocundo?
Que é da velhice? Que é da mocidade?
Tragou-me a vida inteira o mar profundo!
Ora quem diz: - "sou pó" - falou verdade.
In “Antologia da Poesia Barroca Portuguesa”
D. Francisco Manuel de Melo
(1608-1666)
QUANDO SE VÊ DO MAL O QUE SE NÃO VIA DANTES
Se como haveis tardado, desenganos,
Vindes hoje de novo apercebidos,
A troco de vos ver tão prevenidos,
Dou-vos por bem tardados tantos anos.
Tardastes; e entretanto estes tiranos
Casos de Amor roubaram-me os sentidos.
Se alcançá-los quereis, bem que são idos,
Buscai-os pelo rastro dos meus danos.
Oh, segui-os, prendei-os, porque logo
Teme que foge, quem procura, alcança,
Pois é peso o temor, o gosto é vento.
E para quando os alcanceis vos rogo,
Não que façais me tornem a esperança,
Mas que sequer me deixem o escarmento.
Obras Métricas
In “Breve Antologia Poética do Período Barroco”
Livª. Civilização Editora – Porto e Contexto Editora – Lisboa
D. Francisco Manuel de Melo
1608 – 1666
SAUDADES
Serei eu alguma hora tão ditoso,
Que os cabelos, que amor laços fazia,
Por prémio de o esperar, veja algum dia
Soltos ao brando vento buliçoso?
Verei os olhos, donde o sol formoso
As portas da manhã mais cedo abria,
Mas, em chegando a vê-los, se partia
Ou cego, ou lisonjeiro, ou temeroso?
Verei a limpa testa, a quem a Aurora
Graça sempre pediu? E os brancos dentes,
por quem trocara as pérolas que chora?
Mas que espero de ver dias contentes,
Se para se pagar de gosto uma hora,
Não bastam mil idades diferentes?
In “Poemas de Amor”
Antologia de Poesia Portuguesa
Org. de Inês Pedrosa
Publicações Dom Quixote
D. Francisco Manuel de Melo
1608 – 1666
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