ADORMECER
Adormecer
assim: inclinado
sobre um rio
em repouso.
A mão esquerda
caída em palma
no crânio; a boca
no ombro no aroma
da pele; o joelho
e a mão direita
na coxa no canteiro ainda
molhado. Acordar assim: ouvir
o breve adágio do corpo amado
a respiração pouco a pouco mais tumultuosa
sob os lençóis subitamente visitados
pelo sol da manhã.
In “69 Poemas de Amor”
4Águas Editora, Tavira 2008
Casimiro de Brito
(N.1938)
A LUZ…
A luz trocada em olhos que ficaram
subitamente cegos, e depois as palavras,
cautelosas, dizendo a seda
dos corpos sós. O desejo
foi polindo em silêncio
um fruto em busca da sua maturação.
A teu lado me deito e bebo a água
que tu me abres
e onde me perco e ardo e tudo.
Aqui tens o meu corpo cheio de mundo.
Amar-te é viagem que não se acaba
e contigo vou, para o alto
e para o fundo.
In “69 Poemas de Amor”
4Águas Editora
Casimiro de Brito
(N. 1938)
DO POEMA
O problema não é
meter o mundo no poema; alimentá-lo
de luz, planetas, vegetação. Nem
tão-pouco
enriquecê-lo, ornamentá-lo
com palavras delicadas, abertas
ao amor e à morte, ao sol, ao vício,
aos corpos nus dos amantes –
o problema é torná-lo habitável, indispensável
a quem seja mais pobre, a quem esteja
mais só
do que as palavras
acompanhadas
no poema.
In “Ode & Ceia” – Poesia 1955-1984
Publicações Dom Quixote – 1985
Casimiro de Brito
N. 1938
PEÇO A PAZ
Peço a paz
e o silêncio
A paz dos frutos
e a música
de suas sementes
abertas ao vento
Peço a paz
e meus pulsos traçam na chuva
um rosto e um pão
Peço a paz
silenciosamente
a paz a madrugada em cada ovo aberto
aos passos leves da morte
A paz peço
a paz apenas
o repouso da luta no barro das mãos
uma língua sensível ao sabor do vinho
a paz clara
a paz quotidiana
dos actos que nos cobrem
de lama e sol
Peço a paz e o
silêncio
In “Jardins de Guerra”
Portugália Editora
Casimiro de Brito
N.1938
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