CARTA
Lanço as palavras ao papel
como pescador calmo
lança os barcos ao rio.
Só no fundo, no fundo inviolado,
contraio e espalmo
as minhas mãos, mãos de afogado
morrendo à sede.
- Meu amor estou bem -
Quando te escrevo,
ponho os olhos no teu retrato
pendurado nos ferros da minha cama
para que as palavras tenham o sabor exacto
de quem me ouve,
de quem me fala,
de quem me chama.
«Meu amor estou bem»
Ontem vi a Primavera
numa flor cortada dos jardins.
Hoje, tenho nos ombros uma pedra
e um punhal nos rins.
«Meu amor estou bem»
Se a morte vier, querida amiga,
à minha beira, sem ninguém,
hei-de pedir-lhe que te diga:
«Meu amor estou bem»
In “Longo Caminho Breve”
Imprensa Nacional-Casa da Moeda – 1985
Luís Veiga Leitão **
1912 – 1987
** Pseudónimo de Luís Maria Leitão
CARTA ABERTA
Diante de ti, que tens fome
ou tremes de cansaço,
perdoa, irmão,
que eu tenha de sofrer
um drama que parece de palavras!
Semeio versos,
tu moirejas nas cavas,
regando a terra com o suor do rosto
e requeimas a carne à boca das fornalhas
e gastas a paciência,
vivendo ao ritmo inumano das máquinas
(eu, é da alma que suo...)
Não é vida este sonho a que me espelho?
Não me dou como tu?
Irmão, perdoa!
Não fui eu quem talhou o meu destino
e a sede de me ser também é inferno!
Irmão, perdoa!
Não feches o teu punho a esta mão sem calos...
Outros, mas também tenho os meus trabalhos:
é com o cerne dos meus nervos
que acendo este luzeiro do meu canto.
Se me não vês assim,
se te pareço, ao rumo dos teus passos,
o passo inútil duma lua inquieta
num céu fechado,
ou apenas um mocho (agoirento e romântico),
não me fuzile a tua voz de pragas!
Não me chames Poeta
como quem cospe um exorcismo!
Sou teu longínquo irmão,
irmão!
Como tu deserdado
e à espera do mesmo:
sete palmos de terra e de silêncio...
In “Terra ao Mar” – Editorial Inquérito, 1954
António de Sousa
1898 – 1981
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