Sexta-feira, 13 de Dezembro de 2013

Recordando... Luís Veiga Leitão

CARTA

 

Lanço as palavras ao papel

como pescador calmo

lança os barcos ao rio.

Só no fundo, no fundo inviolado,

contraio e espalmo

as minhas mãos, mãos de afogado

morrendo à sede.

 

- Meu amor estou bem -

 

Quando te escrevo,

ponho os olhos no teu retrato

pendurado nos ferros da minha cama

 

para que as palavras tenham o sabor exacto

de quem me ouve,

de quem me fala,

de quem me chama.

 

«Meu amor estou bem»

 

Ontem vi a Primavera

numa flor cortada dos jardins.

Hoje, tenho nos ombros uma pedra

e um punhal nos rins.

 

«Meu amor estou bem»

 

Se a morte vier, querida amiga,

à minha beira, sem ninguém,

hei-de pedir-lhe que te diga:

 

«Meu amor estou bem»

 

In “Longo Caminho Breve”

Imprensa Nacional-Casa da Moeda – 1985

 

Luís Veiga Leitão **

1912 – 1987

 

** Pseudónimo de Luís Maria Leitão

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Terça-feira, 20 de Maio de 2008

Recordando... Poetas naturais do Porto (Portugal)... António de Sousa

CARTA ABERTA

 

Diante de ti, que tens fome

ou tremes de cansaço,

perdoa, irmão,

que eu tenha de sofrer

um drama que parece de palavras!

 

Semeio versos,

tu moirejas nas cavas,

regando a terra com o suor do rosto

e requeimas a carne à boca das fornalhas

e gastas a paciência,

vivendo ao ritmo inumano das máquinas

(eu, é da alma que suo...)

 

Não é vida este sonho a que me espelho?

Não me dou como tu?

Irmão, perdoa!

Não fui eu quem talhou o meu destino

e a sede de me ser também é inferno!

 

Irmão, perdoa!

Não feches o teu punho a esta mão sem calos...

Outros, mas também tenho os meus trabalhos:

é com o cerne dos meus nervos

que acendo este luzeiro do meu canto.

 

Se me não vês assim,

se te pareço, ao rumo dos teus passos,

o passo inútil duma lua inquieta

num céu fechado,

ou apenas um mocho (agoirento e romântico),

não me fuzile a tua voz de pragas!

 

Não me chames Poeta

como quem cospe um exorcismo!

Sou teu longínquo irmão,

irmão!

Como tu deserdado

e à espera do mesmo:

sete palmos de terra e de silêncio...

 

 

In “Terra ao Mar” – Editorial Inquérito, 1954

 

António de Sousa

1898 – 1981

 

sinto-me: Radiante Sempre...
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