Segunda-feira, 17 de Abril de 2023

Recordando... Camilo Pessanha

VIOLA CHINESA

 

Ao longo da viola morosa
Vai adormecendo a parlenda
Sem que, amadornado, eu atenda
A lenga-lenga fastidiosa.

 

Sem que o meu coração se prenda,
Enquanto, nasal, minuciosa,
Ao longo da viola morosa,
Vai adormecendo a parlenda.

 

Mas que cicatriz melindrosa
Há nele, que essa viola ofenda
E faz que as asitas distenda
Numa agitação dolorosa?

 

Ao longo da viola, morosa…

Clepsidra

 

In ”Ler Por Gosto”

Areal Editores

 

Camilo Pessanha

(1867-1926)

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Terça-feira, 19 de Julho de 2022

Recordando... Camilo Pessanha

QUEM POLUIU…

 

Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho,
Onde esperei morrer - meus tão castos lençóis?
Do meu jardim exíguo os altos girassóis
Quem foi que os arrancou e lançou no caminho?

 

Quem quebrou (que furor cruel e simiesco!)
A mesa de eu cear, – tábua tosca de pinho?
E me espalhou a lenha? E me entornou o vinho?
Da minha vinha o vinho acidulado e fresco?

 

Ó minha pobre mãe!... Não te ergas mais da cova.
Olha a noite, olha o vento. Em ruína a casa nova...
Dos meus ossos o lume a extinguir-se breve.

 

Não venhas mais ao lar. Não vagabundes mais.
Alma da minha mãe... Não andes mais à neve,
De noite a mendigar às portas dos casais.

 

(Clepsidra)

 

In ”Ler Por Gosto”

Areal Editores

 

Camilo Pessanha

(1867-1926)

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Domingo, 7 de Novembro de 2021

Recordando... Camilo Pessanha

AO LONGE OS BARCOS DE FLORES

 

Só, incessante, um som de flauta chora,
Viúva, grácil, na escuridão tranquila,
– Perdida voz que de entre as mais se exila,
– Festões de som dissimulando a hora.

 

Na orgia, ao longe, que em clarões cintila
E os lábios, branca, do carmim desflora...
Só, incessante, um som de flauta chora,
Viúva, grácil, na escuridão tranquila.

 

E a orquestra? E os beijos? Tudo a noite, fora,
Cauta, detém. Só modulada trila
A flauta flébil... Quem há-de remi-la?
Quem sabe a dor que sem razão deplora?

 

Só, incessante, um som de flauta chora...

 

(Clepsidra)

 

In ”Ler Por Gosto”

Areal Editores

 

Camilo Pessanha

(1867-1926)

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Domingo, 7 de Abril de 2019

Recordando... Camilo Pessanha

CREPUSCULAR

 

Há no ambiente um murmúrio de queixume,

De desejos de amor, d'ais comprimidos...

Uma ternura esparsa de balidos,

Sente-se esmorecer como um perfume.

 

As madressilvas murcham nos silvados

E o aroma que exalam pelo espaço,

Tem delíquios de gozo e de cansaço,

Nervosos, femininos, delicados,

 

Sentem-se espasmos, agonias d'ave,

Inapreensíveis, mínimas, serenas...

- Tenho entre as mãos as tuas mãos pequenas,

O meu olhar no teu olhar suave.

 

As tuas mãos tão brancas d'anemia...

Os teus olhos tão meigos de tristeza...

- É este enlanguescer da natureza,

Este vago sofrer do fim do dia.

 

In “Poemas de Amor”

Versões Ana Leal

Edição Alma Azul – Janeiro.2006

 

Camilo Pessanha

(1867-1926) 

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Segunda-feira, 19 de Março de 2018

Recordando... Camilo Pessanha

FOI UM DIA DE INÚTEIS AGONIAS

 

Foi um dia de inúteis agonias.
Dia de sol, inundado de sol!...
Fulgiam nuas as espadas frias...
Dia de sol, inundado de sol!...

 

Foi um dia de falsas alegrias.
Dália a esfolhar-se, – o seu mole sorriso...
Voltavam os ranchos das romarias.
Dália a esfolhar-se, – o seu mole sorriso...

 

Dia impressível mais que os outros dias.
Tão lúcido... Tão pálido... Tão lúcido!...
Difuso de teoremas, de teorias...

 

O dia fútil mais que os outros dias!
Minuete de discretas ironias...
Tão lúcido... Tão pálido... Tão lúcido!...

 

Clepsidra

 

In ”Ler Por Gosto”

Areal Editores

 

Camilo Pessanha

(1867-1926)

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Segunda-feira, 13 de Julho de 2015

Recordando... Camilo Pessanha

QUANDO VOLTEI ENCONTREI OS MEUS PASSOS

 

Quando voltei encontrei os meus passos

Ainda frescos sobre a húmida areia.

A fugitiva hora, reevoquei-a,

– Tão rediviva! nos meus olhos baços...

 

Olhos turvos de lágrimas contidas.

– Mesquinhos passos, porque doidejastes

Assim transviados, e depois tornastes

Ao ponto das primeiras despedidas?

 

Onde fostes sem tino, ao vento vário,

Em redor, como as aves num aviário,

Até que a asita fofa lhes faleça...

 

Toda essa extensa pista – para quê?

Se há-de vir apagar-vos a maré,

Como as do novo rasto que começa...

 

Clepsidra

 

In ”Ler Por Gosto”

Areal Editores

 

Camilo Pessanha

(1867 - 1926)

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Quarta-feira, 7 de Maio de 2014

Recordando... Camilo Pessanha

INTERROGAÇÃO

 

Não sei se isto é amor. Procuro o teu olhar,

Se alguma dor me fere, em busca de um abrigo;

E apesar disso, crê? Nunca pensei num lar

Onde fosses feliz, e eu feliz contigo.

 

Por ti nunca chorei nenhum ideal desfeito.

E nunca te escrevi nenhuns versos românticos.

Nem depois de acordar te procurei no leito

Como a esposa sensual do Cântico dos Cânticos.

 

Se é amar-te não sei. Não sei se te idealizo

A tua cor sadia, o teu sorriso terno...

Mas sinto-me sorrir de ver esse sorriso

Que me penetra bem, como este sol de Inverno.

 

Passo contigo a tarde e sempre sem receio

Da luz crepuscular, que enerva, que provoca.

Eu não demoro o olhar na curva do teu seio

Nem me lembrei jamais de te beijar na boca.

 

Eu não sei se é amor. Será talvez começo...

Eu não sei que mudança a minha alma pressente...

Amor não sei se o é, mas sei que te estremeço,

Que adoecia talvez de te saber doente.

 

In “Poemas de Amor”

Versões Ana Leal

Edição Alma Azul – Janeiro.2006

 

Camilo Pessanha

1867 – 1926 

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Segunda-feira, 31 de Outubro de 2011

Recordando... Camilo Pessanha

CAMINHO

 

Tenho sonhos cruéis; n’alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente...

 

Saudades desta dor que em vão procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum véu escuro!

 

Porque a dor, esta falta d’harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o céu d’agora,

 

Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque é só madrugada quando chora.

 

 

Clepsidra

 

In ”Ler Por Gosto”

Areal Editores

 

Camilo Pessanha

1867 – 1926

 

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