VIDA
Choveu! E logo da terra humosa
Irrompe o campo das liliáceas.
Foi bem fecunda, a estação pluviosa!
Que vigor no campo das liliáceas!
Calquem. Recalquem, não o afogam.
Deixem. Não calquem. Que tudo invadam.
Não as extinguem. Porque as degradam?
Para que as calcam? Não as afogam.
Olhem o fogo que anda na serra.
É a queimada... Que lumaréu!
Podem calcá-lo, deitar-lhe terra,
Que não apagam o lumaréu.
Deixem! Não calquem! Deixem arder.
Se aqui o pisam, rebenta além.
- E se arde tudo? - Isso que tem?
Deitam-lhe fogo, é para arder...
In “Clepsidra”
Colecção: Biblioteca Ulisseia de Autores Portugueses
Editorial Verbo
Camilo Pessanha
1867 – 1926
ANEL
Dá-me um anel; mas que seja
Como o anel em que cingida
Tem gemido toda a minha vida.
Dá-me um anel; mas de ferro,
Negro, bem negro, da cor
Desta minha acerba dor,
Deste meu negro desterro!
Dá-me um anel; mas de ferro...
Sempre comigo hei-de tê-lo;
Há-de ser o negro elo,
Que me prenda à sepultura.
Quero-o negro...seja o estigma,
que decifre o escuro enigma,
Duma grande desventura.
Dá-me um anel; mas de ferro,
Que resista mais que os ossos
Dum cadáver aos destroços
Do roaz verme do pó.
Entre as cinzas alvacentas,
como espólio das tormentas
Apareça o ferro só.
E o teu nome impresso nele,
Falará dum grande amor,
Nutrido em ânsias de dor,
Pelo fel da sociedade...
Que teu nome nele escrito,
Nesse padrão infinito,
Vá comigo à Eternidade.
In “366 Poemas Que Falam de Amor”
Camilo Castelo Branco
1825 – 1890
JORGE
Constantemente vejo o filho amado
Na minha escuridão, onde fulgura
A estática pupila da loucura,
Sinistra luz dum cérebro queimado.
Nas rugas de seu rosto macerado
Transpira a cruciantíssima tortura
Que escurentou na pobre alma tão pura
Talento, aspirações... tudo apagado!
Meu triste filho passas vagabundo
Por sobre um grande mar calmo, profundo,
Sem bússola, sem norte e sem farol.
Nem gozo nem paixão te altera a vida:
Eu choro sem remédio a luz perdida,
Bem mais feliz és tu, que vês o sol.
IN "Nas Trevas"
Camilo Castelo Branco
1825 – 1890
OS AMIGOS
Amigos, cento e dez, ou talvez mais,
Eu já contei. Vaidades que sentia:
Supus que sobre a Terra não havia
Mais ditoso mortal entre os mortais!
Amigos, cento e dez, tão serviçais,
Tão zelosos das leis da cortesia,
Que já farto de os ver me escapulia
Às suas curvaturas vertebrais.
Um dia adoeci profundamente:
Ceguei. Dos cento e dez houve um somente
Que não desfez os laços quase rotos.
– Que vamos nós – diziam – lá fazer?
Se ele está cego, não nos pode ver!...
– Que cento e nove impávidos marotos.
Camilo Castelo Branco
1825 – 1890
Gentilmente enviado por minha
Amiga/Irmã Maria Albertina
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