DESTINO
Minhas mãos
Que jamais tocaram teu corpo, mulher,
Saboreiam teu andar de cigana,
Descalço,
Sobre o trigo.
Esse trigo já maduro, já rebelde do perder da infância…
Meu amor de abandono e de segredo,
Qual absinto.
Rosa vermelha entre os seios…ombros largos de Abril.
Meu destino.
Guardo teu riso de euforia a despertar todas as alvoradas
Minha amante, meu suplício…
Guardo tuas lágrimas de menina como uma promessa
Nenúfar de luar.
…E no teu ventre por mim incendiado de ternura,
Mulher,
Resplandecerá Semente
Tal como o lavrador lançando o arado à terra,
Só para ser tua eira, teu caminho, tua vereda,
O próprio pó que acaricia teus pés,
E poder contemplar-te para sempre
Na gestação de um hino,
Ou num grito,
Que minhas mãos erguem à ventania num compasso
De sinfonia,
Este pão, este caminho parido como um filho,
Este diálogo entre o silêncio e a coragem,
Entre o sangue e a seiva de um povo num agitar de bandeira,
No teu ventre de Mulher.
In “Enquanto Sangram As Rosas…”
Edição do autor com apoio da C.M. Loures
Célia Moura
(N.1971)
NO ÚTERO E NO PÓ
Surges
Na cálida brisa da tarde,
Como Deusa
No cume da trave talhada
A ouro
Com rosto de prata,
Boca de serpente mansa,
Vestindo de fogo
O sexo.
És a mulher,
A prostituta doce
Dos seios firmes,
Da madrugada,
Dos vãos de escada…
Serpenteias em rituais loucos
Sob a máscara de cristal
Estilhaçada,
Chupando o sangue
Às rosas inventadas
Do Jardim.
Quem sabe se não serás a Musa,
Por quem os poetas clamam,
Ou o flagelo dos dias
E dos rostos baços?
Agora,
És somente
A Afrodite dos tempos
E do desalento.
Da carne!
Mulher,
Mito ausente
Na verdade e no ventre
Cuspindo a semente da raiva
Ao vento norte.
Mulher saudade,
Saudosa do regresso,
Dos hinos ao Sol,
Dos campos férteis do acaso,
E da Festa
Que as crianças sábias comemoram
No hálito das estrelas.
Terás talvez
Que encarnar a inocência
Na face uterina da noite,
Quando a voz estrangulada
Já não soar a grito,
Num pedestal de pó descarnado…
Uma sombra descerá
Com rosto brando
De anjo,
Sob a pia baptismal
Te despirá!
In “Vestida De Silêncio”
Universitária Editora
Célia Moura
(N. 1971)
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