Quarta-feira, 1 de Fevereiro de 2012

Recordando... Augusto Casimiro

PRIMAVERA DE DEUS

 

Primeira vez que os olhos meus rezaram,

Abranjendo o orizonte, o céu, o espaço,

E em meu olhar estático passaram

As coisas, num fraterno, unjido abraço;

 

Primeiro verso traduzindo a minha

Ânsia indomável de Beleza e cõr,

E primeira emoção, a que adivinha,

Em tudo quanto existe, igual Amor;

 

Primeira eterna ora admirável

Em que eu senti meu coração vibrando

Com as coisas, num ritmo inefável,

– Névoa, pedra a sonhar, fonte chorando…

 

Primeira vez que os braços meus cingiram

Um tronco viridente, ou a emoção

De que meus olhos tristes se cobriram,

Como abraçasse o próprio coração;

 

E a vez primeira em que na minha fronte,

Na minha lama simples, repoisou,

– Como oração de névoa sobre um monte, –

A consciência clara do que sou;

 

Primeiro dia iniciado puro,

– Todas as almas téem alvoradas –

Em que senti as coisas, de mãos dadas,

Caminharem comigo para o Futuro;

 

Primeira vez em que um sentir profundo,

Num delírio sagrado, adivinhou

Um invisível, transcendente mundo,

– E o silêncio e os mistérios escutou;

 

… Alma-fraterna que me disse tudo

E me ensinou a olhar e a perceber

A emoção deslumbrada, o sentir mudo,

De rocha ou tronco, ou de alvorada ou sêr;

 

Primeira vez em que caí de giolhos,

– Postas as mãos, a luz do sol no olhar –

Bebendo a luz divina pelos olhos,

Sentindo a sêde espiritual de amar;

 

Primeira vez em que chorei de encanto,

Primeira elevação religiosa

Da minha alma, enternecida, ansiosa,

A persentir em mim o heroi, o santo;

 

Quando, vivendo em mim profunda a vida,

Em minh’alma, vestida de esplendor,

Senti a própria alma renascida,

A aleluia, a anunciação do Amor;

 

Primeira vez em que na minha Arte,

Nos meus versos, – mãezinha –, te senti,

– Foi um passo que dei a procurar-te,

– Primeiro passo na ascenção p’ra ti!

 

… Como alguém que subisse a grande altura

E aos poucos fôsse p’ra tocar os céus…

– Que as almas sobem pela formosura,

– Ao Monsalvato onde floresce Deus.

 

– Deslumbramentos , emoção, bondade,

Foram degraus nesta ascenção de Amor,

– E as lágrimas – que toda a claridade,

– Toda a Vitória é ganha pela Dôr…

 

Há quanto tempo estava à tua espera?

Que saudosa emoção de uma outra vida,

Me ensinava a esperar a Primavera,

Sentindo a Primavera em mim florida?

 

Sabes, – mãezinha? – como a flor existe

Na semente que sonha, a germinar,

E a alegria maior num olhar triste,

– Porque ser triste é um modo de chorar;

 

Como o som no cristal, ansiosamente,

Espera que o libertem, e o granito

Sonha a libertação em luz ardente,

Na instantánea visão dum infinito;

 

– Assim, mãezinha, – a tua formosura

Desde o Princípio vive em minha vida,

E em ti floresce a minha vida pura,

Em perfeição e harmonia unjida…

 

Assim já noutras vidas pressentimos

Esta Vida-Maior que oje vivemos.

Já neste Amor outras paisagens vimos,

E outras dores puríssimas sofremos…

 

Já nos beijámos em crepúsc’los de oiro,

Nos confundimos num etéreo abraço!

– Fomos jóias, – Amor –, de igual tesoiro,

– Fomos luz e visão no mesmo espaço,

 

Fomos seiva num tronco aureolado

Em luz d névoa, em bênção de arrebol,

E o nosso Amor andou transfigurado,

Em beijos de oiro, em luz fecunda, em sol!

 

Tudo palpita em nós, tudo rodeia

O nosso Amor, – tudo êste Amor nos diz!

– E se quero cinjir a própria ideia,

– Nem eu compreendo como sou feliz!

 

 

Coimbra, Janeiro de 1910

 

In Revista “A Águia”

N.º 2 – 1.ª Série – Ano I – de 15 de Dezembro de 1910

 

Augusto Casimiro

1889 – 1967

 

 

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Quinta-feira, 1 de Abril de 2010

Recordando... Augusto Casimiro... Poeta do Séc. XX

A EVOCAÇÃO DA VIDA

 

                                   Para LEONARDO COIMBRA

 

Viver!... E o que é a Vida?...

                                  – Atento, escuto

A primitiva e alta profecía…

E a escuta-la, a sonhar, vou resoluto,

Por caminhos de Amor, com alegria!

E vivo! E na minh’alma, a uma a uma,

Como num quebra mar de encantamentos,

Sinto as ondas bater, – ondas de espuma,

…Evocações, memorias, sentimentos…

 

Amo! – No meu Amor vivo a infinita,

A suprêma Belêsa, – sou  amado!...

E, pelo Sol que no meu peito habita,

Lucto! Sinto o Futuro á nossa espéra,

Vivo, na minha lúta, o meu Amor!...

E sinto bem que a eterna Primavéra

A alcançaremos só por nossa Dôr! 

Sôfro! E no meu sofrêr, nesta anciedade

Com que os meus olhos fitam o nascente,

Em devoção, em pranto, em  claridade,

– Sonha o meu coração de combatente…

 

Sofrêr, luctar, amar – , vida completa,

Piedosa, humilde e só de Amor ungida –

– Meu coração de amante e de Poeta

– Sente em si mesmo o coração da Vida!...

Sonho exaltado e puro, Amor tam grande,

Que me domina todo e me levanta

A’s regiões em que o sentir se expande,

E o coração da Vida sonha e canta!

Vida profunda emocionando mundos,

Lagrimas que nos falam de ventura,

Olhos de amado, olhos de amar, profundos

Olhos de devoção e de ternura!...

Olhos que em tudo sentem a Beleza,

A perfeição e o Amor de Éla,

Amor em que se exalta a naturêza,

A fonte, a nevoa, a flor, a rocha, a estrêla!...

 

Amor que tudo envolve, e em que repoisa

O Mundo num regaço de emoção,

E em que se funde a mais humilde coisa

Ao mais sublime e forte coração!...

Vida que num sorriso se condensa,

Num beijo puro sobre um puro olhar,

Que se sorri, se beija… E rude, imensa,

Em plena luta sabe triunfar!...

Vida piedosa e fraternal, – erguida

Ao sol, a abençoar e a redimir –

E que batalha e vence – pela Vida –

As victorias radiantes do Porvir!...

 

 

1910

 

(Do Poemeto A Evocação da Vida)

 

In “Revista A Águia”

N.º 2 – 1.ª Série – Ano I – 15 de Dezembro de 1910

 

Augusto Casimiro

1889 – 1967

 

 

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