AQUI, NESTE MISÉRRIMO DESTERRO
Aqui, neste misérrimo desterro
Onde nem desterrado estou, habito,
Fiel, sem que queira, àquele antigo erro
Pelo qual sou proscrito.
O erro de querer ser igual a alguém
Feliz, em suma — quanto a sorte deu
A cada coração o único bem
De ele poder ser seu.
6-4-1933
In “Odes de Ricardo Reis”
Notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor
Ática, 1946 (imp.1994)
Pág. 153
Ricardo Reis
Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)
AQUI, SOBRE ESTAS ÁGUAS...
Aqui, sobre estas águas cor de azeite,
Cismo em meu lar, na paz que lá havia:
Carlota, à noite, ia ver se eu dormia
E vinha de manhã, trazer-me o leite.
Aqui, não tenho um único deleite!
Talvez... baixando, em breve, à água fria,
Sem um beijo, sem uma ave-maria,
Sem uma flor, sem o menor enfeite!
Ah, pudesse eu voltar à minha infância!
Lar adorado, em fumos, a distância,
Ao pé da minha irmã, vendo-a bordar:
Minha velha aia! Conta-me essa história
Que principiava, tenho-a na memória,
“Era uma vez...”
Ah! deixem-me chorar!
Canal da Mancha, 1891
In “SÓ” – Sonetos – 16
António Nobre
1867 – 1900
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