Sábado, 25 de Julho de 2015

Recordando... António Nobre

PARA AS RAPARIGAS DE COIMBRA

 

Tristezas têm-nas os montes

Tristezas têm-nas o Céu

Tristezas têm-nas as fontes,

Tristezas tenho-as eu!

 

Ó choupo magro e velhinho,

Corcundinha, todo aos nós:

És tal qual meu avozinho,

Falta-te apenas a voz.

 

Minha capa vos acoite

Que é pra vos agasalhar:

Se por fora é cor da noite,

Por dentro é cor do luar...

 

Ó sinos de Santa Clara,

Por quem dobrais, quem morreu?

Ah, foi-se a mais linda cara

Que houve debaixo do céu!

 

A sereia é muito arisca,

Pescador, que estás ao sol:

Não cai, tolinho, a essa isca...

Só pondo uma flor no anzol!

 

Lua é a hóstia branquinha,

Onde está Nosso Senhor:

É duma certa farinha

Que não apanha bolor.

 

Vou a encher a bilha e trago-a

Vazia como a levei!

Mondego, qu'é da tua água?

Qu'é dos prantos que eu chorei?

 

No Inverno não tens fadigas

E tens água para leões|!

Mondego das raparigas,

Estudantes e violões!

 

- É só porque o mundo zomba

Que pões luto? Importa lá!

Antes te vistas de pomba...

- Pombas pretas também há!

 

Teresinhas! Ursulinas!

Tardes de novena, adeus!

Os corações às batinas

Que diriam? Sabe-o Deus...

 

Ó boca dos meus desejos,

Onde o padre não pôs sal,

São morangos os teus beijos,

Melhores que os do Choupal

 

Manoel no Pio repoisa,

Todas as tardes, lá vou

Ver se quer alguma coisa,

Perguntar como passou.

 

Agora, são tudo amores

À roda de mim, no cais,

E, mal se apanham doutores,

Partem e não voltam mais...

 

Aos olhos da minha fronte

Vinde os cântaros encher:

Não há, assim, segunda fonte

Com duas bicas a correr!

 

Os teus peitos são dois ninhos

Muito brancos, muito novos,

Meus beijos os passarinhos

Mortinhos por porem ovos.

 

Nossa Senhora faz meia

Com linha feita de luz:

O novelo é a lua cheia,

As meias são pra Jesus.

 

Meu violão é um cortiço,

Tem por abelhas os sons

Que fabricam, valha-me isso,

Fadinhos de mel, tão bons...

 

Ó fogueiras, ó cantigas,

Saudades! Recordações!

Bailai, bailai, raparigas!

Batei, batei, corações!

 

Coimbra, 1890

 

Canção da Felicidade

 

In ” Só” – Fev.1989

Estante Editora

 

António Nobre

(1867 - 1900)

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Quinta-feira, 19 de Março de 2015

Recordando... António Nobre

O TEU RETRATO

 

Deus fez a noite com o teu olhar,

Deus fez as ondas com os teus cabelos;

Com a tua coragem fez castelos

Que pôs, como defesa, à beira-mar.

 

Com um sorriso teu, fez o luar

(Que é sorriso de noite, ao viandante)

E eu que andava pelo mundo, errante,

Já não ando perdido em alto-mar!

 

Do céu de Portugal fez a tua alma!

E ao ver-te sempre assim, tão pura e calma,

Da minha Noite, eu fiz a Claridade!

 

Ó meu anjo de luz e de esperança,

Será em ti afinal que descansa

O triste fim da minha mocidade!

 

In “Poesia Completa”

pref. de Mário Cláudio,

Publicações Dom Quixote

 

António Nobre

(1867 – 1900)

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Domingo, 1 de Setembro de 2013

Recordando... António Nobre

POBRE TÍSICA

 

Quando ela passa à minha porta,
Magra, lívida, quase morta,
E vai até à beira-mar,
Lábios brancos, olhos pisados:
Meu coração dobra a finados,
Meu coração põe-se a chorar.

Perpassa leve como a folha,
E, suspirando, às vezes, olha
Para as gaivotas, para o ar:
E, assim, as suas pupilas negras
Parecem duas toutinegras,
Tentando as asas para voar!

Veste um hábito cor de leite,
Sainha lisa, sem enfeite,
Boina maruja, toda luar:
Por isso, mal na praia alveja,
As mais suspiram com inveja:
«Noiva feliz, que vais casar...»

Triste, acompanha-a um terra-nova
Que, dentro em pouco, à fria cova

A irá de vez acompanhar...
O chão desnuda com cautela,
Que Boy conhece o estado dela:
Quando ela tosse, põe-se a uivar!

E, assim, sozinha com a aia,
Ao sol, se assenta sobre a praia,
Entre os bebés, que é o seu lugar.
E o Oceano, trémulo avozinho,
Cofiando as barbas cor de linho,
Vai ter com ela a conversar.

Falam de sonhos, de anjos, e ele
Fala de amor, fala daquele
Que tanto e tanto a faz penar...
E o coração parte-se todo,
Quando a sorrir, com tão bom modo,
O mar lhe diz: «Há-de sarar...»

Sarar? Misérrima esperança!
Padres! ungi essa criança,
Podeis sua alma encomendar:
Corpinho de anjo, casto e inerme,
Vai ser amada pelo verme,
Os bichos vão-na desfrutar.

Sarar? Da cor dos alvos linhos,
Parecem fusos seus dedinhos,
Seu corpo é roca de fiar...
E, ao ouvir-lhe a tosse seca e fina,
Eu julgo ouvir numa oficina
Tábuas do seu caixão pregar!

Sarar? Magrita como o junco,
O seu nariz (que é grego e adunco)
Começa aos poucos de afilar,
Seus olhos lançam ígneas chamas:
Ó pobre mãe, que tanto a amas,
Cautela! O Outono está a chegar...

Leça, 1889

 

Elrgias

In ” Só” – Fev.1989

Estante Editora

 

António Nobre

1867 – 1900

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Segunda-feira, 19 de Março de 2012

Recordando... António Nobre

A NOSSA SENHORA

 

Ó mystica mulher, nascida na Judeia,

Phantasma espiritual da legenda christã!

Imperatriz do Céu, que para Além se alteia,

A Nação de que a Terra é uma pequena aldeia,

E simples logarejo a Estrella-da-manhã!

Morena aldeã dos arredores de Belem!

Mãe admiravel! Mãe do Soffrimento humano!

Mãe das campínas! Mãe da Lua! Mãe do Oceano!

Ó Mãe de todos nós! Ó Mãe de minha Mãe!

Vela do Altar! Caza de Oiro! Arca da Alliança!

Rede do Pescador! Lanterna do ceguinho!

Ó meu primeiro amor! Minha ultima Esperança!

Amparo de quem vae pela existencia, e cança!

Oblação pura! Silva de ais! Vela de Moinho!

Meu Sete Estrello! Mar de leite! Meu Thesoiro!

Palacio de David! Ó Torre de Marfim!

Anjo da Perfeição! cujo cabello loiro,

Caído para traz, lembra uma vinha de oiro,

Que eu desejara vêr aos cachos sobre mim…

Grão das searas! Sol d’Abril! Luar de Janeiro!

Luar que ruge os cravos, sol que faz corar a vide…

Alimento dos Bons! Farinha do moleiro!

Auxilio dos christãos! Vela do marinheiro!

Porta do Céu! Gloria da caza de David!

Sol dos soes! Ancora eburnea! Águia do Immenso!

Vinho de uncção! Pão de luz! Trigo dos Eleitos!

Ideal, por quem, a esta hora, em todo o Mundo, eu penso,

No Ar se ergue, em espiraes, um nevoeiro de incenso,

E desgraçados, aos milhões, batem nos peitos…

Ó Fonte de Bondade! Ó Fonte de meus dias!

Vaso de insigne Devoção! Onda do Mar!

Corôa do Universo! Aza das cotovias!

Ogiva ideal! Cauza das nossas alegrias!

Ó Choupo sancto! Ó Flôr do linho! Ó nuvem do Ar.

Carne, de Christo! Cidadella de altos muros!

Sanctuario da Fé. Lancha de Salvação!

Alma do Mundo! Avó dos seculos futuros!

Fortaleza da Paz! Via-Lactea dos Puros!

Monte de Jaspe! Roza mystica! Alvo Pão!

Sangue do leal Jezus! Cadeira da Verdade!

Vime celeste! Agoa do Mar! Pérola Unica!

Mulher com vinte seculos de edade

E sempre linda mocidade

Pelas ruas do céu, passas, cingindo a tunica…

Cesto de Flôres, Advogada Nossa!

Alveu de espuma! Cotovia dos Amantes!

Escada de Jacob! Sol da Sabedoria!

Rainha dos Mundos! Pão nosso de cada dia!

Ó veu das noivas! Ó Pharol dos navegantes!

Ó Leme da Arca-Sancta! Ó Cruz dos sitios ermos!

Toalha de linho! Hostia de luz! Cálix da Missa!

Modelo da Pureza! Espelho da Justiça!

Estrella da Manhã! Saude dos enfermos!

Ó Virgem Poderoza! Ó Virgem Clementissima!

Ó Virgem Soffredora! Ó Virgem Protectora!

Ó Virgem Piedoza! Ó Virgem Perfeitisima!

Virgem das Virgens! Minha Mãe! Nossa Senhora!

 

 

Coimbra, 1889

 

In “Primeiros Versos” – 2ª edição

Biblioteca de Iniciação Literária

Lello e Irmão – 1984 

 

António Nobre

1867 – 1900

 

 

MANTÉM A GRAFIA ORIGINAL

 

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Sexta-feira, 19 de Agosto de 2011

Recordando... António Nobre

MENINO E MOÇO

 

Tombou da haste a flor da minha infância alada.
Murchou na jarra de oiro o pudico jasmim:
Voou aos altos Céus a pomba enamorada
Que dantes estendia as asas sobre mim.

 

Julguei que fosse eterna a luz dessa alvorada,
E que era sempre dia, e nunca tinha fim
Essa visão de luar que vivia encantada,
Num castelo de prata embutido a marfim!

 

Mas, hoje, as pombas de oiro, aves da minha infância,
Que me enchiam de Lua o coração, outrora,
Partiram e no Céu evolam-se, a distância!

 

Debalde clamo e choro, erguendo aos Céus meus ais:
Voltam na asa do Vento os ais que a alma chora,
Elas, porém, Senhor! elas não voltam mais...

 

Leça, 1885

 

In “SÓ”

Estante Editora

 

António Nobre

1867 – 1900

 

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