Segunda-feira, 31 de Julho de 2023

Recordando... António Gancho

RESIGNO-ME À FUNÇÃO

 

Isto de fazer poesia

não tem não mais que fazê-la.

Põe-se o papel, pega-se no lápis

e à moela da inspiração

falemos assim, digamos assim

não se diz não.

Começa-se não mal

que se comece bem

depois de tal

vem que as imagens

ou as comparações

escrevem e metem-se no meio

do que tu supões.

Depois dentre nós dois

ou o Céu ou o Inferno

ou Deus ou o Diabo

a bela ou o quadritérnio

inspiro-me, inspiras-te,

escrevo, começo e acabo.

Não abro o coração

em dois

que não vem depois

mais sangue fluido

a falar.

Abra-se antes na função

poética

coisas como o mar

o luar, o acabar das horas

e dos dias, na poesia romântica,

e na quântica outras

coisas, outras noções,

as quantas são que não

na romântica

aqui nesta já as leis

do coração, a função

entre dois corações

mas fisiologicamente

e na romântica

apaixonadamente mais quente.

Resigno-me à função

de fazer poesia.

Esfria-me é

o condão muitas vezes

mas a teses como

esta ou uma tese

qualquer

quero fazer eu

um poema também.

Resigno-me à função.

Submeto-me à função.

Subjugo-me à função.

E não vou mais longe.

Escrevo. Poesia.

O hábito faz o monge

e eu um dia vou longe

se escrever muito em poesia.

Doutra maneira dizia que

vale mais fazer a poesia

que dizê-la

que ela de guia tem

e serve-se de bela.

 

In “O Ar da Manhã”

Assírio & Alvim

 

António Gancho

(1940-2006)

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Domingo, 19 de Fevereiro de 2023

Recordando... António Gancho

ARTÉRIA, TU TENS RAZÃO

 

A única coisa que eu aprendi meu Deus

a sofrer a desilusão duma passagem de rua

ficar com o lado esquerdo a ajudar a falar

mas a única coisa que eu aprendi

 

Que um bocado de vidro inundasse de luz uma artéria

eu era um bocado de vidro que não inundasse de luz

artéria nenhuma

era uma desilusão a olhar para mim

e dizer movimento de rua

é assim movimento de rua

aí está nós cá estamos nós somos tal e qual

uma desilusão em passagem.

 

Tinha era ainda mais que tudo isso

um inchaço dum vidro em bocado

espetado em cima de pedra.

 

Havia um estendal de desilusão a devorar-me

todo com os olhos

eu era uma continuação do meu ser.

Onde um simulacro estava a vantagem

de uma desilusão.

Eu não

eu cá.

Que um cá estamos considerasse ou não

eu não tinha nada com isso

 

Eu fum, eu...

Ah,

Havia é que era eu cá estamos nada disso

eu cá não eu nada eu não tinha eu não tenho

tu quê

nós consideramos.

Onde punha fum

tudo por dentro era duma urania

tudo por dentro era duma constipação palpável

pelo sentido da pedra e do bocado de vidro.

Não eu cá não vou.

 

Quem olha descontenta.

 

In “O Ar da Manhã”

Assírio & Alvim

 

António Gancho

(1940-2006)

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Sexta-feira, 7 de Outubro de 2022

Recordando... António Gancho

LITERATURA

 

De literalmente aturar

atura a minha literatura

estar entre toda a Literatura que há até hoje e houve

e literatura nenhuma.

Se é surrealista ou não em suma

não sei responder.

Se ela é existencialista

por exemplo que sei eu

entre os franceses por exemplo

dos franceses

André Frénaud

e os esquizofrénicos de Paris

do frio

o frio

não me deixa se calhar ser.

Que eu tanto canto

a existência do frio como do calor

a existência do Verão e do Sol

como da chuva e do Inverno

eu canto qualquer coisa

eterno provedor da minha república

só interior de cantar.

Senão, ó bela, é instaurarem-me

um processo que não dá para o petróleo

cole-o o tempo ao ramo

o amo ao cavalo

que exprimo e falo de mim primeiro

primeiro de mim

depois e só depois dos outros sim

e entre os dois enfim

ganhar qualquer coisinha

para a espinha que dói muito a escrever

senão é ver.

Beber umas coisas

e se ela noutra arte pousar

e cá isso de surrealista ou existencialista

não o sei ainda que a mim não mo disseram.

Só considerar isso das duas coisas.

À parte isso falo de existir

ganhar uns carcanhóis

com a arte de escribir

comer uns caracóis com o dinheiro arranjado

fumar uns cigarróis

beber cá umas coisas

e de artes só há duas.

Sub-reptilmente

ou existencialmente ainda continuar.

Existentivamente.

Comer.

Beber.

Escrever.

Mais umas mulheres nuas.

 

In “O Ar da Manhã”

Assírio & Alvim

 

António Gancho

(1940-2006)

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Sábado, 1 de Agosto de 2020

Recordando... António Gancho

PRISÃO

 

Tu tinhas uma nascença que era uma prisão

uma certeza de estar concreto e unido

com a matéria de pedra

Que era uma tua sedimentação de vida

uma tua construção de movimentos a sair das grades

Era rico em Sol o teu peito de grades

concreto e unido sedimentavas dias de espera

duma letra que te abrisse os instintos para

falares de nada.

Era uma certeza de tu estares unido como uma raiz de mesa própria

uma certeza de estares virado para um

nascente de inconcretidade material

tinhas uma mão de peça de artilharia

de disparares para fora o conteúdo dos dias com

raiz de mesa própria

Eras um sol a nascer-te no sítio da grade

onde se punham ramos de quinta-feira de campo.

Tinhas uma natureza de estares sentado

Sobre uma cadeira que era a tua

esperança de estares unido com a nascença do movimento.

Tinhas um cantarem-te os cabelos no dia de dentro

um ser-te uma mágica a fusão de

olhar com a dimensão de esperança fora.

Eras-te igual à matéria da tua animação de selva

íntima

igual ao cantar-te serôdio o tempo de pendular

na cabeça

Conhecias uma esperança de cortares os cabelos com uma

navalha de vento

mas era tua inspiração de um modo interior de vida.

Criavas um espaço aberto na clareira duma grade

que era um espaço celeste a cobrir de grego o cimento

Tu tinhas uma invenção de disparares saúde de dias

por fora da mão

Tu tinhas uma sensação absoluta de estares aberto com o espaço

duma grade

tinhas um ser-te grave o olhar para fora do dia

inaugurado de verde

Que se te abrisse a letra

era desejo de teres fonemas no nada de uma mão aberta

sem um rogar de branco.

O sol aberto em sentido de alusão a uma palavra de ti

era nada de o poente estar no sentido inverso.

 

In “O Ar da Manhã”

Assírio & Alvim

 

António Gancho

(1940-2006)

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Quarta-feira, 13 de Março de 2019

Recordando... António Gancho

ABERTURA

 

Eu abria o rádio

eu abria o aparelho

era uma flor branca que eu abria

de sopro

eu soprava e eu abria a flor

A flor tocava música com as várias mãos

das pétalas

A flor tocava uma simbolização dum tempo

caído podre de espera de cor branca

O tempo espera-se em pintar-se

de branco

para cegar uma cor

mas a minha flor abria-se de

pétalas

e as várias mãos escreviam um

piano por cima de teclas grãos vários

seguidos uns aos outros.

Era assim uma harmonia

entre flor

tempo a querer-se de cor branca em cegar

era assim umas teclas cantarem filhos de grãos

por dentro dos grãos mesmos

unidos que eram em dimensão de lado

era assim um cantar-me o tempo todo

não era assim um cantar-me o tempo todo

era assim um pairar-me

o tempo todo em Nijinsky

o tempo em um fazer-me ballet pelo quarto inteiro

quando eu tinha aberta a cabeça que imagino

da música

Abria a pétala favorita do harém

onde no centro um sultão da flor

no centro que era o amarelo da flor

abria a pétala favorita da flor

e então

e era então que me soava dentro da manhã

do quarto

uma música desfibrada de tempo serôdio

como se tudo me fosse em longe

como se a música levasse longe

o céu.

 

In “O Ar da Manhã”

Assírio & Alvim

 

António Gancho

(1940-2006)

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