Segunda-feira, 13 de Janeiro de 2020

Recordando... António de Sousa

ESQUEMA

 

ASA - Mas não de perto,

que de perto não vôo,

vou de rastos.

Anjo deserto,

são as asas, primeiro, que me rôo

ao silêncio dos astros.

 

(Quanto pode esta fome de viver

que de mim se sustenta e me sustém!

Tudo o que é não-morrer

me sabe bem).

 

In “Linha de Terra”

Editorial Inquérito – 1952

 

António de Sousa

(1898-1981)

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Quinta-feira, 19 de Outubro de 2017

Recordando... António de Sousa

FADO DO NAVEGANTE

 

Meu lugre "Vento de Maio",

todo pintado de azul,

comprei-o nos mares do Sul

a um pirata malaio.

 

Lá onde o céu é maior

trafiquei pérola e copra;

a todo o vento que sopra

soube o caminho de cor.

 

Um dia, não sei porquê,

(frágeis que são as memórias...)

fiz-me a águas hiperbóreas

a vr o que lá se vê.

 

No meu regresso do Polo

trouxe uns sorrisos de gelo,

esta neve no cabelo

e duas focas ao colo...

 

Cheguei inteiro a Lisboa,

mas ninguém me conheceu!

Por isso pintei de breu

a minha vela de proa.

 

Triste, vendi o navio;

só uma corda guardei.

Os nós que dei e desdei

até que ficou no fio!

 

o saber verdadeiro

e o gosto do mar amigo

vão para a morte comigo

no meu secreto roteiro.

 

In “Sete Luas”

Edição de 200 exemplares

da Tipografia da Atlântida, 1943

 

António de Sousa

(1898-1981)

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Sexta-feira, 25 de Maio de 2012

Recordando... António de Sousa

BREVE POEMA ÉPICO

 

Sete leões e o profeta no meio,

com óculos, de preto, guarda chuva

e uma saudade desbotada

no bolso do coração.

 

O céu triste e calado como os mortos;

as colinas à espera de pintor

e o rio como um doido a bater palmas

e a babar-se nas fragas.

 

Sete leões da terra de ninguém

todos goelas  força e sede viva.

O profeta no meio, tão profeta

que o medo lhe parecia Anjo da Guarda.

 

Magro, pois a comida de palavras

nunca foi coisa que matasse a fome...

corpo talhado a jeito de baínha

ao espírito - uma espada feita de ar.

 

Sete leões como os sete pecados,

ali, inteiros, no Jardim de Deus;

as portas milenárias em pedaços

e o Todo-Alma a estuar de fé.

 

A cada uivo – um murmuro versículo;

para o raspar das unhas as mãos juntas

e aos saltos decisivos como raios,

um - Satan, vade retro! e o guarda-chuva!

 

Depois... tudo acabou na digestão

do profeta, do rio e até do céu!

Mas um poeta virá com outros sóis

para ver nascer flores dos cadáveres dos leões.

 

Coimbra – 1943

 

In “Sete Luas”

Editorial Inquérito Lda.

 

António de Sousa

1898 – 1981

 

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Domingo, 1 de Maio de 2011

Recordando... António de Sousa

CANTATA DO MAU MARINHEIRO

 

Em Calicut, uma vez,

o grande Vasco da Gama

pôs-me a ferros no porão.

Não por pena de traição

mas por eu passar na cama

trinta dias, cada mês.

 

Se retroava a bombarda

para acossar a moirisma

– a cambulhada casmurra -

eu dedilhava a bandurra,

recatando a minha cisma

ao anjo da minha guarda.

 

Quando o Santelmo chispava,

nos tops de popa a proa,

agoiros de calmaria,

eu ao bailique pedia

o caminho de Lisboa

e o corpo da minha escrava.

 

Quando a água escasseou,

a bolacha criou bicho

e o vinho já ia azedo,

eu nunca tremi de medo:

fiquei-me em santo de nicho

que a si mesmo se salvou.

 

Mas se o mar fazia espuma,

o vento cuspia pragas

e a nau parecia um trambolho,

já, do sono, abria um olho,

piscava-o de manso às vagas

– Que, enfim, a vida é só uma!

 

(Sei que a morte me não quer

enquanto andar embarcado,

só pecando em pensamento.

Porém sou primo do vento

e no seu corpo salgado

o mar é minha mulher...)

 

Não fui herói como os mais,

mas o almirante do rei

acabou por perdoar.

É que eu tinha de ficar

só nos trabalhos que sei

p`ra lhe dar estes sinais!

 

(A nau voltou a Belém

e eu, felizmente, estou bem!)

 

 

In “Jangada”

Coimbra Editor

 

António de Sousa

1898 – 1981  

 

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