ESQUEMA
ASA - Mas não de perto,
que de perto não vôo,
vou de rastos.
Anjo deserto,
são as asas, primeiro, que me rôo
ao silêncio dos astros.
(Quanto pode esta fome de viver
que de mim se sustenta e me sustém!
Tudo o que é não-morrer
me sabe bem).
In “Linha de Terra”
Editorial Inquérito – 1952
António de Sousa
(1898-1981)
FADO DO NAVEGANTE
Meu lugre "Vento de Maio",
todo pintado de azul,
comprei-o nos mares do Sul
a um pirata malaio.
Lá onde o céu é maior
trafiquei pérola e copra;
a todo o vento que sopra
soube o caminho de cor.
Um dia, não sei porquê,
(frágeis que são as memórias...)
fiz-me a águas hiperbóreas
a vr o que lá se vê.
No meu regresso do Polo
trouxe uns sorrisos de gelo,
esta neve no cabelo
e duas focas ao colo...
Cheguei inteiro a Lisboa,
mas ninguém me conheceu!
Por isso pintei de breu
a minha vela de proa.
Triste, vendi o navio;
só uma corda guardei.
Os nós que dei e desdei
até que ficou no fio!
o saber verdadeiro
e o gosto do mar amigo
vão para a morte comigo
no meu secreto roteiro.
In “Sete Luas”
Edição de 200 exemplares
da Tipografia da Atlântida, 1943
António de Sousa
(1898-1981)
BREVE POEMA ÉPICO
Sete leões e o profeta no meio,
com óculos, de preto, guarda chuva
e uma saudade desbotada
no bolso do coração.
O céu triste e calado como os mortos;
as colinas à espera de pintor
e o rio como um doido a bater palmas
e a babar-se nas fragas.
Sete leões da terra de ninguém
todos goelas força e sede viva.
O profeta no meio, tão profeta
que o medo lhe parecia Anjo da Guarda.
Magro, pois a comida de palavras
nunca foi coisa que matasse a fome...
corpo talhado a jeito de baínha
ao espírito - uma espada feita de ar.
Sete leões como os sete pecados,
ali, inteiros, no Jardim de Deus;
as portas milenárias em pedaços
e o Todo-Alma a estuar de fé.
A cada uivo – um murmuro versículo;
para o raspar das unhas as mãos juntas
e aos saltos decisivos como raios,
um - Satan, vade retro! e o guarda-chuva!
Depois... tudo acabou na digestão
do profeta, do rio e até do céu!
Mas um poeta virá com outros sóis
para ver nascer flores dos cadáveres dos leões.
Coimbra – 1943
In “Sete Luas”
Editorial Inquérito Lda.
António de Sousa
1898 – 1981
CANTATA DO MAU MARINHEIRO
Em Calicut, uma vez,
o grande Vasco da Gama
pôs-me a ferros no porão.
Não por pena de traição
mas por eu passar na cama
trinta dias, cada mês.
Se retroava a bombarda
para acossar a moirisma
– a cambulhada casmurra -
eu dedilhava a bandurra,
recatando a minha cisma
ao anjo da minha guarda.
Quando o Santelmo chispava,
nos tops de popa a proa,
agoiros de calmaria,
eu ao bailique pedia
o caminho de Lisboa
e o corpo da minha escrava.
Quando a água escasseou,
a bolacha criou bicho
e o vinho já ia azedo,
eu nunca tremi de medo:
fiquei-me em santo de nicho
que a si mesmo se salvou.
Mas se o mar fazia espuma,
o vento cuspia pragas
e a nau parecia um trambolho,
já, do sono, abria um olho,
piscava-o de manso às vagas
– Que, enfim, a vida é só uma!
(Sei que a morte me não quer
enquanto andar embarcado,
só pecando em pensamento.
Porém sou primo do vento
e no seu corpo salgado
o mar é minha mulher...)
Não fui herói como os mais,
mas o almirante do rei
acabou por perdoar.
É que eu tinha de ficar
só nos trabalhos que sei
p`ra lhe dar estes sinais!
(A nau voltou a Belém
e eu, felizmente, estou bem!)
In “Jangada”
Coimbra Editor
António de Sousa
1898 – 1981
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