PODES LEVAR AS ROSAS QUE TROUXESTE
Podes levar as rosas que trouxeste.
Não as quero,
Nem me digas
Que has de ser perpetuamente
O motivo mais ardente
- O maior motivo
Das minhas cantigas.
Enganámo-nos, meu bem!
Agora que já conheço
Todo o sabor dos teus beijos,
Quero-te menos, e sinto
A febre de outros desejos
Que não podes entender...
Mas hei de lembrar-te, juro!
E tanto..., quanto puder.
In “Revista “Contemporanea”
Ano I – Volume I – Nº.1 Ano 1922
Pág. 37
Grafia original
António Botto
(1897-1959)
PALAVRAS DE UM AVESTRUZ TODO GRIS
Arrancam-me as penas
E eu sofro sem dizer nada:
- Sou ave
Bem educada.
E, se quisesse,
Podia
Morder-lhes as mãos morenas,
A esses
Que sem piedade
Me roubam as penas que me cobrem;
E, no entanto,
Sem o mais breve gemido,
O meu corpo
Vai ficando
Desguarnecido ...
E elas,
Aquelas
Que se enfeitam, doidamente,
Com estas penas formosas
- Que são minhas!
Passam por mim, desdenhosas,
Em gargalhadas mesquinhas.
Sim; eu sofro sem dizer nada:
- Sou ave
Bem educada.
Mesmo que fosse pequena
E eu te visse pobre ou nua
- Ninguém ama a sua Pátria por ser grande,
Mas sim por ser sua!
In “Canções e Outros Poemas”
Quasi Edições
António Botto
(1897-1959)
A BELEZA
A beleza
Sempre foi
Um motivo secundário
No corpo que nós amamos;
A beleza não existe,
E quando existe não dura.
A beleza
Não é mais do que o desejo
Fremente
Que nos sacode...
- O resto, é literatura.
In “As Canções de António Botto”
Editorial Presença
António Botto
(1897-1959)
NÃO ME CHAMEM PELO NOME
Não me chamem pelo nome
Que me deram ao nascer;
Sou como a folha caída
Que não chegou a viver.
Se eu sem riquezas nasci,
Cheguei a sonhar com elas
Na esperança de ser alguém;
Mas bem depressa deixei
A tortura de quem quer
Conquistar o que não tem.
Os nervos mortos, na terra
dos meus planos iludidos,
Mentiram à própria fome!
Por isso nesta indiferença
Peço apenas: - e é tão pouco!,
Não me chamem pelo nome.
Sou como a folha caída
Pisada por quem passeia
Alheio à luz e à beleza;
E de todas as venturas,
Só me encontro nos silêncios
Que tem a minha tristeza.
Perdi-me no sofrimento
Que nos dão as aparências
Que julgamos entender...
Da vida não quero nada;
E não me falem no nome
Que me deram ao nascer.
Sou como a flor esquecida
Nos canteiros da ilusão
De um jardineiro traidor,
Sou como fonte discreta
Entre folhagens cantando
Tristes cantigas de amor;
Ao fim de tanta vileza
Já não me posso iludir
Com as promessas da vida!
Tudo em mim sabe a derrota,
E até da morte duvido
- Sou como a folha caída.
Sou como tudo que passa
No giro do pensamento
De uma criança a brincar;
E os meus mais débeis desejos
Morrem aos ais na lembrança
De quem se esqueceu de amar;
Nada no mundo me prende;
Nem a saudade de um beijo
Num momento de prazer!,
- Pobre corpo sem destino,
Renúncia firme de artista
Que não chegou a viver.
In “As Canções de António Botto”
Edições Ática
António Botto
(1897-1959)
É DIFÍCIL NA VIDA...
É difícil na vida achar alguém
Que seja na verdade um grande amigo;
E se assim penso - e com tristeza o digo,
É porque o sei, talvez, como ninguém.
Se a amizade é um bem - e se esse bem
Traz o conforto de um divino abrigo,
Por mim, direi que nunca mais consigo
Iludir-me nas graças que ele tem.
Afectos, sacrifícios, lealdade!
Tudo se apaga ou fica na memória
Se a ilusão dá lugar á realidade.
E ai daqueles que pensam na excepção;
Acabam por ficar dentro da história
De que a vida é um sonho e uma traição.
In “Líricas Portuguesas” - I Volume
Selecção, Prefácios e apresentação de Jorge de Sena
Edições 70 -1984
António Botto
(1897-1959)
PASSEI O DIA OUVINDO O QUE O MAR DIZIA
Eu ontem passei o dia
Ouvindo o que o mar dizia.
Chorámos, rimos, cantámos.
Falou-me do seu destino,
Do seu fado...
Depois, para se alegrar,
Ergueu-se, e bailando, e rindo,
Pôs-se a cantar
Um canto molhado e lindo.
O seu hálito perfuma,
E o seu perfume faz mal!
Deserto de águas sem fim.
Ó sepultura da minha raça
Quando me guardas a mim?...
Ele afastou-se calado;
Eu afastei-me mais triste,
Mais doente, mais cansado...
Ao longe o Sol na agonia
De roxo as águas tingia.
«Voz do mar, misteriosa;
Voz do amor e da verdade!
- Ó voz moribunda e doce
Da minha grande Saudade!
Voz amarga de quem fica,
Trémula voz de quem parte...»
.........................................
E os poetas a cantar
São ecos da voz do mar!
In “As Canções de António Botto”
Ed. Presença – 1980
António Botto
(1897-1959)
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