QUADRAS
Acho uma moral ruim
trazer o vulgo enganado:
mandarem fazer assim
e eles fazerem assado.
Sou um dos membros malditos
dessa falsa sociedade
que, baseada nos mitos,
pode roubar à vontade.
Esses por quem não te interessas
produzem quanto consomes:
vivem das tuas promessas
ganhando o pão que tu comes.
Não me dêem mais desgostos
porque sei raciocinar...
Só os burros estão dispostos
a sofrer sem protestar!
Esta mascarada enorme
com que o mundo nos aldraba,
dura enquanto o povo dorme,
quando ele acordar, acaba.
In “Este livro que vos deixo”
António Aleixo
(1899-1949)
SER DOIDO-ALEGRE, QUE MAIOR VENTURA!
Ser doido-alegre, que maior ventura!
Morrer vivendo p'ra além da verdade.
É tão feliz quem goza tal loucura
Que nem na morte crê, que felicidade!
Encara, rindo, a vida que o tortura,
Sem ver na esmola, a falsa caridade,
Que bem no fundo é só vaidade pura,
Se acaso houver pureza na vaidade.
Já que não tenho, tal como preciso,
A felicidade que esse doido tem
De ver no purgatório um paraíso...
Direi, ao contemplar o seu sorriso,
Ai quem me dera ser doido também
P'ra suportar melhor quem tem juízo.
In “Este Livro Que Vos Deixo…”
Editorial Notícias
António Aleixo
(1899-1949)
MOTE
Fui uma noite pintar
Com um caneco emprestado;
Eu pintei sem reparar,
Pintei e fiquei pintado.
GLOSAS
Eu comecei com jeitinho
A compor o ramalhete;
Primeiro foi com azeite
E depois foi com cuspinho.
No começo era estreitinho,
Custava o pincel a entrar...
Começa a dona a gritar:
"Não me parta a tigelinha",
Mas que coisa engraçadinha,
Fui uma noite pintar...
Comecei devagarinho...
Quando fui ao outro mundo
Meti o pincel ao fundo
E parti o canequinho.
Até mesmo o pincelinho
Veio de lá todo pintado,
Eu já estava desmaiado,
Perdendo as cores do rosto;
Mas pintei com muito gosto
Com um caneco emprestado.
Vem a mãe toda zangada:
"Tem que pagar-me a vasilha...
No caneco da minha filha
Não pinta você mais nada...
... Lá isto, a moça deitada,
Sem poder levantar-se,
Com tanta tinta a pingar
No lugar da rachadela!..."
"Diga lá, que desculpe ela,
Eu pintei sem reparar!"...
Pra que vejam que sou pintor
E meu pincel nunca deixo;
Pra que saibam que o Aleixo
Não é somente cantor...
Também pinto qualquer flor
E faço qualquer bordado;
Mas aqui o ano passado,
Perdi, de pintar, o tino...
Fui pintar, fiz um menino,
Pintei e fiquei pintado.
In "Este Livro que Vos Deixo..." – Inéditos
Volume II – 3ª edição
Editorial Notícias
António Aleixo
1899 – 1949
QUADRAS II
Peço às altas competências
Perdão, porque mal sei ler,
P'ra aquelas deficiências
Que os meus versos possam ter.
………………………….
Quando não tenhas à mão
Outro livro mais distinto,
Lê estes versos que são
Filhos das mágoas que sinto.
………………………….
Julgam-me mal sabedor;
E é tão grande o meu saber
Que desconheço o valor
Das quadras que sei fazer!
………………………….
Compreendo que envelheci
E que já daqui não passo,
Como não passam daqui
As pobres quadras que faço.
………………………….
Tal qual me sucede a mim;
Sem ter vulto, sem ter voz,
Vive qualquer coisa em nós
Que manda fazer assim.
………………………….
Vai-se uma luz, outra existe,
Nova aurora nos seduz;
Deve ser muito mais triste
A gente deixar a luz.
………………………….
Se pedir, peço cantando,
Sou mais atendido assim;
Porque, se pedir chorando,
Ninguém tem pena de mim.
…………………………..
Meu aspecto te enganou;
O que a gente é não se vê;
Pergunta a outrem quem sou,
Pois o que sou nem eu sei.
………………………….
Quem me vê dirá: não presta,
Nem mesmo quando lhe fale,
Porque ninguém traz na testa
O selo de quanto vale
………………………….
In “Este Livro Que Vos Deixo…”
Volume I – Editorial Notícias
António Aleixo
1899 – 1949
MOTE
Tu és pura e imaculada,
Cheia de graça e beleza;
Tu és a flor minha amada,
És a gentil camponesa.
GLOSAS
És tu que não tens maldade,
És tu que tudo mereces,
És, sim, porque desconheces
As podridões da cidade.
Vives aí nessa herdade,
Onde tu foste criada,
Aí vives desviada
Deste viver de ilusão:
És como a rosa em botão,
Tu és pura e imaculada.
És tu que ao romper da aurora
Ouves o cantor alado...
Vestes-te, tratas do gado
Que há-de ir tirar água à nora;
Depois, pelos campos fora,
É grande a tua pureza,
Cantando com singeleza,
O que ainda mais te realça,
Exposta ao sol e descalça,
Cheia de graça e beleza.
Teus lábios nunca pintaste,
És linda sem tal veneno;
Toda tu cheiras a feno
Do campo onde trabalhaste;
És verdadeiro contraste
Com a tal flor delicada
Que só por muito pintada
Nos poderá parecer bela;
Mas tu brilhas mais do que ela,
Tu és a flor minha amada.
Pois se te tenho na mão,
Inda assim acho tão pouco,
Que sinto um desejo louco:
Guardar-te no coração!...
As coisas mais belas são
Como as cria a Natureza,
E tu tens toda a grandeza
Dessa beleza que almejo,
Tens tudo quanto desejo,
És a gentil camponesa
In "Este Livro que Vos Deixo..." – Inéditos
Volume II – 3ª edição
Editorial Notícias
António Aleixo
1899 – 1949
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